Em seu Dicionário de Cinema, Jean Tulard observa que Michael Cacoyannis foi muitas vezes criticado pelo envolvimento em coproduções internacionais que comprometem a autenticidade de seu trabalho. Mas o próprio Tulard pergunta-se: como ele poderia ter agido de outra forma, na falta de capital grego para fazer seus filmes?
Cacoyannis é o cineasta por excelência da Grécia, mais até do que Theo Angelopoulos, cujo cinema é permanente exposição, e crítica, dos mitos que esculpiram o imaginário grego e universal. Cacoyannis começou (neo)realista nos anos 1950. No começo dos 60, iniciou com Electra a sua série de tragédias, que prosseguiu com As Troianas em 1971 e Ifigênia em 1976. Embora desiguais, os três filmes compõem um bloco coerente.
As Troianas está saindo em DVD pela CultClassic, infelizmente sem os extras que um filmes desses poderia (e até deveria) oferecer. Na época, há mais de 30 anos, Paulo Francis criticou duramente a multiplicidade de sotaques das atrizes que Cacoyannis escolhera a norte-americana Katharine Hepburn, a inglesa Vanessa Redgrave, a franco-canadense Geneviève Bujold e a grega Irene Papas. Mas até Francis se rendeu à força da tragédia grega, fundada na retórica, mais do que no lirismo.
Os longos discursos de Eurípides passam para o espectador, que sente a força do texto e termina por entregar-se às grandes atrizes. Katharine Hepburn foi a grande comediante de Hollywood nos anos 30 e 40, mas, nos 60, Sidney Lumet fez dela a trágica de Longa Jornada Noite Adentro, adaptado da peça de Eugene ONeill. Katharine pode tropeçar no sotaque, mas o lamento de Hécuba ganha nela, na sua persona, intensidade rara. As Troianas trata dessas quatro mulheres Hécuba, Cassandra, Helena e Andrômaca , após a derrota do Exército de sua cidade na guerra contra os gregos.
Troféus
As mulheres derrotadas estão prestes a ser entregues como troféus aos vencedores. São rainhas e princesas, mas diante delas se descortina uma vida de escravidão e, pior do que isso, degradação. Encontra-se aí a essência do teatro de Eurípides. Na obra desse grande fatalista, a dor do homem vencido nunca é consequência da condição humana e, sim, sofrimento que seus personagens não merecem.
Farol
Cacoyannis fez de Eurípedes seu farol em Electra, As Troianas e Ifigênia. O primeiro filme produziu surpresa o diretor conseguiu não apenas um tom, mas a atriz perfeita (Irene Papas) para criar sua tragédia. As Troianas desconcertou, pelos imperativos da coprodução internacional. O rigor voltou em Ifigênia, o melhor dos três, mas, independentemente de se gostar mais de um, ou de outro, são obras necessárias de um diretor, hoje com 86 anos, que colocou seu nome na história do cinema.



