
O fato de Maria Bethânia ter conseguido autorização, a partir de mecanismos da Lei Rouanet, para criar e manter o blog O Mundo Precisa de Poesia provocou indignação entre a classe artística e produtores culturais. A cantora baiana pleiteou R$ 1,7 milhão, e foi autorizada a captar R$ 1,3 milhão para realizar o projeto. Ela terá a remuneração de R$ 600 mil, R$ 50 mil por mês, para gravar um vídeo por dia, durante um ano.
A produtora cultural Monica Drummond afirma que a aprovação do projeto de Maria Bethânia ultrapassa a "fronteira do absurdo". "Nem tenho o que dizer", diz Monica, para em seguida contar que, entre os dez projetos que conseguiu realizar por meio da Lei Rouanet, sempre teve de fazer cortes orçamentários. Os salários de revisores de textos, por exemplo, foram reduzidos de R$ 300 para R$ 200. "Daí, chega a Bethânia com um cachê de R$ 600 mil. É surreal", comenta.
A artista baiana, a exemplo de toda e qualquer pessoa que pleiteia os benefícios da Lei Rouanet, inscreveu o projeto no Ministério da Cultura, mas a aprovação passou, em última instância, pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que reúne representantes de artistas, empresários e da sociedade civil. "O problema é essa CNIC, que deveria ter um controle de qualidade. Mais que isso. Acho que é necessário um controle de bom senso", argumenta Monica, que é fã de Maria Bethânia, mas discorda da aprovação do projeto.
Fora da realidade
O discurso de Monica encontra ressonância em outro produtor cultural que atua em Curitiba, Alvaro Collaço. Para ele, Bethânia tem todo o direito de pedir quanto quiser pelo projeto, mas cabe ao governo questionar e até mesmo vetar. "Se a Bethânia quer receber R$ 600 mil, ou mais, é direito dela. Mas o governo federal não tem de aceitar. O valor do projeto está muito acima da realidade do mercado brasileiro", afirma Collaço, que já foi questionado ao apresentar um projeto na Lei Rouanet com cachê de R$ 30 mil.
O "caso Bethânia", observa Collaço, coloca em xeque a Lei Rouanet, que tem o seu projeto de reforma em votação no Congresso Nacional. "Atualmente, um projeto pode até conseguir autorização para captar dinheiro junto às empresas, por meio de renúncia fiscal, mas na hora da captação um artista famoso, como é o caso da Bethânia, tem mais chance do que um estreante ou de alguém menos conhecido", argumenta Collaço.
O coordenador-geral do Fórum das Entidades Culturais, Oswaldo Aranha, pega carona na argumentação de Collaço e afirma que, ao dar autorização para Maria Bethânia captar R$ 1,3 milhão, "o governo federal destina um montante de dinheiro para uma única pessoa, quando um valor desses deveria contemplar uma faixa mais ampla de artistas e produtores".
"Está tudo OK"
Após ler em jornais e na internet a repercussão do "caso Bethânia", o produtor cultural Marcelo Miguel afirma que a maioria das pessoas está "falando besteira". Na opinião dele, para fazer um blog como o que a irmã de Caetano Veloso está planejando, R$ 1,3 milhão não é exagero. "Ela vai produzir 365 vídeos em um ano. Isso pode ser mais trabalhoso do que realizar um longa-metragem. Uma boa produção custa caro", diz Miguel, que atua na Quixote Art & Eventos, empresa que nos últimos oito anos aprovou 780 projetos na Lei Rouanet, e conseguir realizar 60, entre os quais o Festival de Cinema da Lapa, estimado em R$ 400 mil.
O Ministério da Cultura, por meio de assessoria de imprensa, diz que a aprovação do projeto de Maria Bethânia seguiu estritamente a legislação. "Os critérios da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) são técnicos e jurídicos; assim, rejeitar um proponente pelo fato de ser famoso, ou não, configuraria óbvia e insustentável discriminação", diz, em nota, o Ministério da Cultura.



