
Nova York - "Odeio a verdade!", gritou Lady Gaga em determinado momento do segundo de seus três shows todos com ingressos esgotados no Madison Square Garden neste mês. Convenientemente, a verdade a odeia também.
Ninguém na memória recente do pop foi um inimigo maior da autenticidade do que Lady Gaga. Em seu universo meticulosamente construído, não há o que não possa ser reescrito, repaginado, revisado ou recriado. Há pouco tempo, ela tocava um piano intimista em pequenas salas de Nova York. Agora, é a grande estrela do momento no mundo pop em sua acepção mais pura, um talento escondido debaixo de uma orgia de bolas espelhadas, tecidos de vinil e finas rendas.
Lady Gaga se tornou um sucesso aderindo à crença de que não há verdade interior a ser anunciada ou salva: tudo que uma pessoa pode fazer é se reinventar.
A era Gaga começou de fato há uma década, com o advento de Britney Spears e Christina Aguilera. Naquele momento, parecia que fora proclamado o assassinato dos ideais: as cantoras eram jovens, caprichavam na ostentação e se entregavam pouco à emoção. Os puristas reclamaram de que eram fabricadas uma queixa entediante. Mais importante do que os debates que ambas inspiraram sobre autenticidade é o fato de que ajudaram a resgatar um sentido de teatralidade do pop uma conquista que os artistas do sexo masculino de hoje em dia raramente alcançam definindo as bases para uma década calcada nisso.
Lady Gaga levou esse movimento a seu ápice lógico, quase que eliminando completamente a música. Ela muitas vezes se mostra uma grande cantora; e esconder bem isso é um de seus muitos truques. (Mas não é uma grande dançarina, o que para alguém tão interessada num desempenho perfeito é um verdadeiro ponto fraco. E isso raramente é discutido.) Suas canções são perfeitos vazios, meros esqueletos com os quais ela se paramenta.
Imagem
Além disso, o que mais diferencia Lady Gaga das sereias pop de uma década atrás é que sua capacidade de sedução foi neutralizada, recontextualizada. Quase no final do show no Madison Square Garden, ela surgiu no palco com engenhocas que soltavam fogo do peito e da virilha, cuspindo minúsculas, irritadas e ardentes faíscas. "Espalhem por aí que botei fogo neste lugar!", berrou. Foi um repúdio direto a um tipo de imaginário hipersexualizado. Não se pode tocar em nada sem sair machucado.
Sua imagem é infinitamente maleável, alvo de bizarras experimentações. Não há uma cor de cabelo, roupa, sapato ou maquiagem que ela não esteja disposta a tentar. Raramente uma mulher no pop e mesmo no rap foi tão agressiva em renovar a aparência. Além do mais, ela repetidamente altera seu timbre vocal, supondo que se as palavras que saem de sua boca têm significados, os sons também podem ser manipulados. É espetacular de se ouvir.
Se Lady Gaga teve impacto direto sobre alguém foi, surpreendentemente, em Beyoncé que passou a maior parte da carreira impermeável à influência de seus pares. No entanto, no ano passado, depois de duas parcerias com Lady Gaga "Telephone" e "Video Phone" Beyoncé pareceu ter voltado à vida. Seus clipes mostram uma artista mais bem-humorada do que nunca. O vídeo mais recente, "Why Dont You Love Me", no qual interpreta várias versões de uma dona de casa insatisfeita, é um dos seus melhores e mais animados. É como se Lady Gaga tivesse se precipitado sobre Beyoncé e a infectado com um vírus, numa seqüência vampiresca de eventos.
Provocativa
Mas será que Lady Gaga não está levando seu estilo longe demais? "Alejandro", single mais recente da cantora, a princípio parece ser um de seus trabalhos menos ambiciosos. A letra é especialmente vaga; e os empréstimos tomados de Madonna são numerosos. Exageros seriam de se esperar, mas o mais notável são os momentos entre extremos. A certa altura, a cantora quase nunca vista sem uma roupa que pareça criação de um inventor maluco surge de calcinha e sutiã cor de carne, franja loira platinada, lábios vermelhos e pele de porcelana. Nela, até a simplicidade é radical.
Lady Gaga também apareceu na capa da Rolling Stone americana, no mês passado, posando com um sutiã que trazia metralhadoras grudadas semelhante a um outro usado por ela numa parte do vídeo de "Alejandro" sendo brandidas contra algum inimigo invisível. É provocativo, mas, em se tratando dela, talvez um pouquinho ideológico demais. Convenhamos, a única pessoa com quem Lady Gaga está em guerra é consigo mesma.
As armas não são o mais importante, no entanto. O que mais se vê na foto é pele. Não em exibição lasciva, mas significativa.
No artigo da Rolling Stone, falando sobre ter tirado a roupa no clipe de "Alejandro", Lady Gaga disse: "Sou apenas eu mesma ali, e as pessoas vão ver que o que está por baixo de tudo ainda sou eu".
É provavelmente a primeira vez que Lady Gaga reconhece que há vida, respiração e um organismo sob sua aparência hiperestilizada, e que sua carne tem seus próprios instintos. Talvez ela tenha gasto tanto tempo e energia construindo escudos exteriores que eles agora começam a fortalecer seu íntimo também. Essa nudez, essa nova força um ideal Lilith, talvez é um passo importante na direção do sentimento. Ou talvez a pele seja apenas mais uma fantasia.
Tradução de Christian Schwartz



