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 | Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

O diretor teatral, ator e dramaturgo Edson Bueno, que há mais de 30 anos atua nos palcos curitibanos, é também um apaixonado por cinema. Já confessou, inclusive, que aprendeu a fazer teatro assistindo a filmes. Um dos Fundadores do Grupo Delírio Cia. de Teatro, ele acompanha bastante de perto, e com igual interesse, o que acontece tanto nas artes cênicas quanto na produção audiovisual dentro e fora do Brasil. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele fala sobre o atual estado de coisas no cinema nacional, sua relação com a televisão e o impacto do êxito das comédias até mesmo no teatro.

Todas as grandes bilheterias do cinema brasileiro deste ano, salvo uma ou outra exceção, são comédias, na maioria calcadas em uma linguagem televisiva e sem grandes ousadias. O que você pensa disso?

Bem... O adjetivo "ousadia" raramente desemboca em grandes bilheterias, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo, então quando acontece é, de verdade, pra se comemorar (um exemplo é Gravidade, de Alfonso Cuarón!). Eu penso que a questão dos maiores sucessos brasileiros de cinema ser de comédias rasas e, no meu modo de ver, sem graça nenhuma, tem a ver até com uma tradição do próprio cinema brasileiro. As "chanchadas" (décadas de 50 e 60) eram comédias rasas, calcadas em situações de costume e tramas bem simples que só se sobressaíam (como acontece agora!) graças a um ou outro ator de muito talento (Oscarito, Dercy Golçalves...), e mais à frente, as pornochanchadas idem. A questão erótica naquele caso era um detalhe salvador da pátria. E em determinadas fases do cinema brasileiro era daí que saíam as maiores bilheterias. Eu acho, por exemplo, que Dona Flor e Seus Dois Maridos e Xica da Silva, com todas as suas qualidades, são irmãs mais "chiques", digamos assim, das pornochanchadas! Não é à toa que Sonia Braga virou um ícone erótico, mais do que um exemplo de grande atriz! Mas, no meu modo de ver, este é o problema menor. O problema mesmo é a tal "linguagem televisiva". O cinema brasileiro virou uma extensão da televisão brasileira e isso é um círculo vicioso que pode muito bem ser útil do ponto de vista da economia imediata ou da questão trabalhista, mas totalmente nocivo do ponto de vista da cultura e da arte. Às vezes um produto com linguagem de televisão pode até resultar em coisa muito boa no cinema (O Auto da Compadecida, televisão mesmo; e Lisbela e o Prisioneiro, cinema com cara de tevê), mas o fato é que o público vai ao cinema para ver, com uma preguiça impressionante, o que já vê na televisão, a filmes sem qualquer preocupação e mudança de linguagem, coisa que o cinema permite e até pede; e isso cria um sistema que não permite outras possibilidades. Mas a lógica é mais simples ainda... Faz-se um filme com linguagem de tevê e, quando ele voltar à televisão, via DVD, downloads, a cabo, etc..., já estará inserido no contexto. A televisão aberta, hoje, é (com raríssimas exceções) o reino encantado da mediocridade! Então, é a questão comercial dando as cartas e reduzindo tudo ao denominador mais simples. Como se, por questões econômicas, você estivesse impondo à grande massa brasileira um modelo visual que só interessa a um único vendedor. Só que, onde não tem elaboração e pesquisa, não há boa arte e, no caso do Brasil, é um fator de encolhimento cultural. Nossos cineastas estão, cada vez mais, treinados para dirigir televisão e a linguagem cinematográfica está cada vez ficando mais à margem nos estudos das escolas de cinema, por exemplo. De qualquer forma, o que eu acho ruim mesmo é que as comédias do cinema brasileiro são muito ruins, ou seja, sem graça nenhuma e cada vez que eu assisto uma eu fico perguntando do que é que as pessoas estão rindo. Acho que elas, na verdade, como zumbis perdidos no mundo, caminham em direção ao cinema e nem sabem direito por quê. Meu Deus, o que faz um sujeito sair de casa para ir ao cinema assistir Crô – O Filme? O pior do pior do pior do pior do pior? Só a inércia explica.

O humor também parece estar em alta na televisão, e o sucesso dos filmes nas salas de exibição, por sua vez, gera novos programas na tevê aberta e paga, em um processo de retroalimentação. Será que o Brasil só quer mesmo rir?

Eu acho que o Brasil não quer pensar. O país está anestesiado. Se você der uma olhada no cinema norte-americano, vai ver que grandes bilheterias são também de filmes anestesiantes, sejam eles comédias [os filmes de Adam Sandler, a franquia Se Beber, Não Case são exemplos] e filmes de super-heróis que são todos iguais. Mas existe lá, por exemplo, uma massa pensante que dá espaço para filmes interessantes e artísticos e que, nem por isso, perdem o apelo comercial. Essa fatia não existe no Brasil, pelo menos não existe para os filmes brasileiros... E, por aí, você pode até pensar que o brasileiro não acredita em seus próprios artistas e que só acredita neles como comediantes e fazedores (ou repetidores) de piadas... E, por consequência, se não acredita em seus artistas, não acredita em si mesmo. É o nosso complexo de vira-latas gritando... O Brasil não quer pensar o Brasil artisticamente, seriamente. Um país que tem tanta pena de si mesmo, que só se admite como piada ruim.

O que você pensa da série Porta dos Fundos?

Gosto muito. Mas eu acho que, apesar de fazer parte de um espírito crítico e engraçado, é um fenômeno de internet e que faz da velocidade (são esquetes de poucos minutos) e da liberdade de expressão, a sua matéria-prima. Quando eles forem todos para a televisão, vão ficar idiotas, farão piadas sobre novelas e vão perder a graça. Como aconteceu com o Casseta & Planeta, com o Fausto Silva, etc...

Esse surto cômico também se vê refletido de alguma forma no teatro que se faz hoje no palco?

No caso do teatro, ele se reflete na stand up comedy, uma praga. Não que seja uma linguagem a se descartar, mas a facilidade de colocar um sujeito no palco falando merdas o tempo todo reduz o cérebro da plateia àquela inércia a que eu me referi aí atrás. De cada 50 atores de stand up, um é talentoso, bacana e inteligente; os outros são óbvios, sem graça e chatos. Mas as pessoas gostam de se reunir e fazer da autopalhaçada o único motivo para sair de casa e ir ao teatro. É um fenômeno de mídia, de comunicação, mas não é arte, não é reflexão, não é humor.

E só pra fechar a ideia, dou aqui alguns exemplos de arte que faz rir: Quanto Mais Quente Melhor [de Billy Wilder], Um Peixe Chamado Wanda [de Charles Crichton e John Cleese], Nem Sansão Nem Dalila [de Carlos Manga], Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos [de Pedro Almodóvar]. Quer dizer, não é uma questão de ser engraçado ou não, é uma questão de ser artístico e inteligente.

É uma tristeza ver o cinema brasileiro, que poderia tirar proveito desses nossos novos tempos de facilidades tecnológicas e desenvolver linguagens e pensar o seu país e a sua cultura de forma criativa, render-se a um empobrecimento cultural e que faz da mediocridade a sua matéria-prima.

E, como um bônus, eu faço duas comparações que me parecem significativas. Tente comparar O Pagador de Promessas, ganhador da Palma de Ouro, com O Tempo e o Vento, do Jayme Monjardim... Veja o empobrecimento da linguagem. E pior, pegue o Bruno Barreto de Tati, a Garota, A Estrela Sobe e Dona Flor e Seus Dois Maridos, acompanhe sua trajetória para desembocar em Crô – O Filme. É a decadência da linguagem ao invés da depuração da linguagem.

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