
A morte do escritor Ernesto Sábato, no último dia 30, representa o fim de uma plêiade de autores argentinos com projeção internacional. Junto com Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Adolfo Bioy Casares, Sábato foi um dos grandes escritores de seu país não só pelo seu domínio técnico, como também pela temática política que escolheu para permear toda a sua literatura.
Duramente criticado por, junto com Borges, ter se reunido em um almoço com o general Jorge Rafael Videla, autoridade da ditadura militar argentina (1976-1983), a verdade é que Sábato sempre se manteve próximo da política. Foi justamente esse laço estreito que lhe rendeu o convite por parte do então presidente Raúl Afonsín (1983-1989) para presidir a Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Conadep).
Seu trabalho resultou no Relatório Sábato, mais conhecido como Nunca Mais, sobre os sequestros, torturas e assassinatos de mais de oito mil civis pelo governo militar. Arrependido, como Borges, de seu apoio inicial à ditadura, Sábato foi lembrado e homenageado no dia de sua morte como "um ícone da redemocratização do país".
Van Gogh
Nascido na cidade de Rojas, em 1911, o escritor, que completaria um século de existência em junho deste ano, tinha uma visão um tanto pessimista do mundo. Autor de obras como O Túnel, Sobre Heróis e Tumbas e Um e o Universo, representativas entre sua escassa bibliografia, Sábato tinha grande admiração e se aproximava no estilo depressivo do pintor Vincent Van Gogh e do escritor Antonin Artaud, ainda que fosse um seguidor do humanismo social de Bertrand Russell e Bernard Shaw.
Um dos mais promissores físicos nucleares de sua geração, o autor estudou no Instituto Curie, em Paris nos anos 30, mas abandonou a carreira de cientista para dedicar-se à literatura em 1945, quando lançou seu primeiro livro de pequenos ensaios, Um e o Universo.
Estreou, posteriormente, na ficção com o romance O Túnel (1948), que lhe deu projeção internacional.
Elogiado pelo escritor português José Saramago como um "autor trágico e eminentemente lúcido ao mesmo tempo", Sábato confessou em entrevista à revista americana Newsweek, em 1992, ter tentado o suicídio duas vezes. Isso antes da morte de seu filho mais velho, Jorge, em um acidente de carro, em 1995, e de sua primeira esposa, Matilde, em 1998. Uma amiga, a roteirista Aída Bortnik, disse que "Sabato tinha sempre um ar de amargura que o acompanhava. Ele sofria muito, basicamente, pela realidade argentina."
Impressões
Para o escritor e tradutor Eric Nepomuceno, se a literatura de Sábato foi magra em sua quantidade, foi consistente e generosa em qualidade. "Lembro, até hoje, do impacto da leitura de O Túnel e de Sobre Heróis e Tumbas. Um mundo sombrio, desiludido, pessimista, mas formidavelmente humano. Um escritor sombrio, com um texto brilhante essa é a contradição mais visível na obra de Sábato", comenta.
Já para o diretor da Biblioteca Pública do Paraná e editor do jornal literário Rascunho, Rogério Pereira, o escritor ocupa um lugar importante em sua memória: "Quando lançamos o Rascunho, em abril do ano 2000, Ernesto Sábato era a capa do jornal, por ocasião do lançamento de seu livro Antes do Fim, na Espanha. A lembrança que eu tenho de sua literatura é extremamente prazerosa porque, além da excelente técnica, ele era um autor que acreditava na transformação do ser humano pela literatura, o que é algo em que eu acredito".
As lembranças da literatura do escritor são indissociáveis da Argentina de sua época. Isso é claro para o diretor teatral e dramaturgo Hugo Mengarelli. Nascido na Argentina, Mengarelli reside no Brasil há 35 anos, e afirma que há algo de nostálgico nos livros de Ernesto Sábato. "Foi muito importante, para mim, ler a realidade de Buenos Aires descrita daquela maneira tão poética. Sempre que passo pelo Parque Lezama me emociono boa parte do romance Sobre Heróis e Tumbas se passa ali", diz, e completa: "Quando eu reli esse livro senti recuperar um pedaço de minha vida que parece que se perdeu e que nunca se pode recuperar. Sábato também é saudade".



