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dança contemporânea

O que é isso?

Com maior flexibilidade durante o processo criativo, a dança contemporânea não emerge de um rearranjo de passos prontos, mas sim de muita reflexão

Grupo Corpo tem na relação com a música grande parte da riqueza de seu trabalho | Fotos: José Luiz Pederneiras e Elenize Dezgeniski/Divulgação
Grupo Corpo tem na relação com a música grande parte da riqueza de seu trabalho (Foto: Fotos: José Luiz Pederneiras e Elenize Dezgeniski/Divulgação)
LAB Simbioptico, da PIP Pesquisa em Dança, explora as relações entre dança e tecnologia |

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LAB Simbioptico, da PIP Pesquisa em Dança, explora as relações entre dança e tecnologia

Quem nunca foi assistir a um espetáculo de dança contemporânea e saiu sem "entender" nada? Isso pode acontecer quando se vê a obra com o olhar acostumado às narrativas e ao código de passos do balé clássico, por exemplo.

O olhar para a dança contemporânea precisa ser flexível e necessita de lentes diferentes para en­­xergar cada obra. Essas manifestações, assim como a arte contemporânea de modo geral, exigem do espectador uma postura ativa e disponibilidade para entrar em contato com a montagem, mesmo que nem sempre isso seja agradável.

Segundo a bailarina e professora do curso de Dança da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), Gladis Tridapalli, "essa estética lida com o público de um jeito diferente, convidando-o a construir o espetáculo em parceria. Mas isso de modo algum tira o papel do artista de construir uma rede articulada de ideias. A relação não existe sem uma proposição particular, é alienante deixar na mão do público todas as leituras", diz.

A bailarina explica que, em seus trabalhos, não faz arte somente para que o bonito seja aplaudido, ou para que a sensação boa seja acolhida. "Quando a gente transita por coisas não muito boas, as pessoas acham que fazemos só para provocar, mas isso não é verdade. Nós também estamos sentindo um estranhamento. A dança contemporânea passa pelo ser humano e a gente não vive só coisas boas ou um mundo de fadas."

Gladis entende a construção de dramaturgia em dança como um jogo, e chama atenção para as dificuldades de colocar em prática os conhecimentos adquiridos com leituras e estudos acadêmicos, algo ainda recente na história brasileira.

"Esse jogo não existe sem trabalho intencional. É preciso aprender a criá-lo e cada grupo inventa suas próprias regras. Gosto muito de pensar o quanto você mantém a ideia, depois a opõe, depois a repete. E repetição não é ruim, porque ela nunca é igual e vem para relembrar o público de alguma coisa. Penso em como causar um estranhamento no público, mas sem deixá-lo se afastar muito. E como deixá-lo se aproximar, mas depois puxar o tapete. Porque esse é o lugar da arte, o de fazer olhar e sentir diferente", explica.

Junto com a bailarina Candice Didonet, Gladis está em temporada com o espetáculo Próximas Distâncias, no Teatro Odelair Rodrigues. Para Candice, um trabalho de dança contemporânea nasce muito antes de se pensar o que vai para a cena. "Essa dança começa na maneira como as pessoas se organizam para trabalhar, nas escolhas que são feitas, nos tipos de procedimentos que são usados para a pesquisa. É um lu­­gar menos espetacular e mais de articulação de ideias, que também está na vida cotidiana e não só quando eu vou ao teatro", diz.

Para Gladis, a palavra-chave da dança contemporânea é a particularidade. "Os grupos começam a construir suas próprias linguagens. E quando eu falo de linguagem, falo de um pensamento de dança que se materializa no movimento."

Estéticas diferentes

É comum chamar de dança moderna ou contemporânea tudo que não use sapatilhas de pontas e que transgrida um pouco a técnica clássica. Mesmo na grade curricular do curso de Dança da Faculdade de Artes do Paraná, ainda existe alguma confusão entre as duas correntes. Até o final deste ano existiam quatro disciplinas chamadas de "Dança Moderna 1, 2, 3 e 4", sendo que as aulas, na prática, eram de Dança Contem­porânea.

A dança moderna nasce no início do século 20, em oposição à estética do balé clássico e tem como principais expoentes Mary Wigman, na Alemanha, e Marta Graham, nos Estados Unidos. Am­­bas desenvolveram suas próprias técnicas de dança, e têm em co­­mum o fato de manterem os pés no chão, metafórica e figurativamente.

No momento em que explodem duas guerras mundiais é impossível continuar vivendo em um mundo de conto de fadas, como propunha o balé clássico. Então os modernos deixaram de dissimular o esforço físico em suas coreografias e passaram a falar da realidade e de seus densos sentimentos.

A postura sempre vertical, a frontalidade e a harmonia dos passos de balé dão lugar a um tronco mais móvel, curvo. Os movimentos agora são, muitas vezes, crispados e contorcidos e partem do centro do corpo. A dança moderna estuda novas possibilidades de movimento em contato mais próximo com o chão e passa a tratar de temáticas psicológicas, expressando, como nas outras artes, o horror das grandes guerras.

A dramatização excessiva deu lugar gradativamente a uma nova corrente estética, a dança pós-moderna, que surge nos Estados Unidos, em contraposição à estética moderna. Merce Cunningham, morto aos 90 anos em julho deste ano, foi um de seus expoentes. Ao deixar a companhia de Marta Graham, onde dançou de 1939 a 1945, ele aboliu qualquer tipo de enredo de sua dança e passou a investigar o que é essencial: o movimento.

Cunnin­­gham dava autonomia para que fi­­gurinistas, cenógrafos, iluminadores, músicos e dançarinos trabalhassem independentemente um dos outros. Muitas vezes só se conhecia o conjunto da obra minutos antes da apresentação. Assim também acontecia com as sequências coreográficas, que eram escolhidas ao acaso, com base no I Ching, por exemplo. O coreógrafo foi grande inovador no processo criativo da cena.

Modificações significativas no espaço da dança também foram propostas por Cunningham. O palco italiano deixou de ser a única possibilidade. Poderia se dançar em um heliporto, praça ou em qualquer outro lugar. Eliminou-se a hierarquia entre os bailarinos e as posições ocupadas por eles. Qualquer um poderia ser solista, e o centro do palco tornou-se móvel, rompendo com a perspectiva.

O coreógrafo abriu novas possibilidades para a arte. Na década de 60 surge o movimento da Judson Church Dance Theatre, que acontecia na igreja de mesmo nome em Nova York, composto por Yvonne Rai­­ner, Trisha Brown, Steve Paxton, entre outros. Ali qualquer movimento, qualquer corpo e qualquer método eram aceitos. A dança acontecia na rua, com roupas e movimentos do cotidiano, diminuindo a distância entre público e artistas. Essas opções estéticas influenciam até hoje a dança contemporânea.

Um exemplo disso é a obra da alemã Pina Bausch, morta em junho. No Wuppertal Tanztheater ela delineou uma estética única, que fundiu a dança expressionista alemã com a dança pós-moderna americana, e que ficou conhecida como dança-teatro.

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