
Quem já assistiu ao impagável desempenho de Rex Harrison como o professor Henry Higgins no musical My Fair Lady (1964), de George Cukor, deve encontrar certa dificuldade em aceitar qualquer outro ator na pele do personagem. O homem que tenta transformar em dama da sociedade londrina a simplória florista Eliza Doolittle (Audrey Hepburn) é Harrison, dos pés à cabeça. Ou seja, a personificação de vários estereótipos que temos do cavalheiro britânico de certa estirpe: é erudito, elegante e algo esnobe, comme Il faut.
Mas se Harrison, primeiro intérprete de Higgins no teatro e vencedor do Oscar por sua reencarnação no cinema, é mesmo um clássico insuperável, o personagem encontrou há dois anos no Brasil um ator capaz de sobreviver às inevitáveis comparações. Ao ponto de ter cooperado para que a mais recente montagem nacional de My Fair Lady, além de grande sucesso de público, fosse escolhida pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como o melhor espetáculo teatral encenado nos palcos paulistas em 2007.
O rapaz atende pelo nome de Daniel Boaventura e se, na televisão, aparece sempre em papéis coadjuvantes, reina absoluto na onda de musicais que tomou de assalto os palcos brasileiros nos últimos anos. Além de My Fair Lady, ele estrelou as montagens de Chicago, Company, Victor ou Victoria (ao lado de Marília Pêra) e A Bela e a Fera, entre outros espetáculos.
Como consequência dessa sucessão de êxitos teatrais, Boaventura, dono de uma bela voz, lança agora seu primeiro CD, Songs 4 U, produzido por Guto Graça Mello. O disco reúne canções em inglês que vão de temas de musicais ("Send in the Clowns", de A Little Night Music, de Stephen Sondheim) ao pop ("Youre So Vain", de Carly Simon), passando por canções de filmes ("Windmills of Your Mind", composta por Michel Legrand para Crown, o Magnífico). Boaventura se sai bem em todas as faixas, mostrando ser capaz não apenas de cantar, mas de interpretar, dando dramaticidade e sentido às letras.
Destino
Baiano de nascimento, o ator, à beira de completar 40 anos, tem uma trajetória um tanto peculiar. Ainda menino, mudou-se com a família para a cidade universitária de State College, no estado da Pensilvânia (EUA), onde seu pai foi fazer estudos de pós-graduação. Lá, tomou gosto pela música participou da orquestra da escola onde estudava, tocando trombone de vara. Em casa, ouvia na vitrola do pai compositores clássicos, como Ravel e Beethoven. E já começava, é claro, a descobrir o pop rock de grupos como Supertramp, Dire Straits e Pink Floyd
De volta ao Brasil, já quase adolescente, Daniel conta que entrou em depressão. "Em Salvador, a vida cultural era muito pobre. Tinha acostumado a ir a concertos, exposições em grandes museus, espetáculos de teatro. E, para gente da minha idade, havia muito pouco para fazer na cidade. Por isso, comecei a me envolver com música no colégio, cantando em bandas, aprendendo outros instrumentos como o saxofone."
O cantor/ator conta que até tentou, mas não conseguiu "escapar" dos palcos. Cursou Administração de Empresas, Publicidade, Jornalismo, mas quando entrou para o elenco de Os Cafajestes, espetáculo musical baiano de Aninha Franco, que fez carreira no Rio e São Paulo, o destino de Daniel estava selado. "Não terminei nenhuma das faculdades", confessa.
Bem-humorado e muito comunicativo, Daniel, que hoje vive em São Paulo, mas grava suas participações na novela teen Malhação no Rio de Janeiro, não sabe dizer se é mais cantor ou ator. A música veio antes, mas ele também se descobriu nos palcos, no cinema e na tevê. E um dia sonha viver o barbeiro sanguinário Sweeney Todd (intepretado no cinema por Johnny Depp), do musical cult de Stephen Sondheim, embora ache que o espetáculo seria um tanto soturno para o gosto "solar" dos brasileiros.
Em 2009 quer viajar pelo país com o show de divulgação de seu disco, "brincar de Sinatra". Afinal, o céu é o limite. No mundo de fantasia dos musicais, ao menos.
Serviço
Song 4 U. CD de estreia de Daniel Boaventura. Sonu BMG/Somlivre. Preço médio: R$ 29,90.




