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Quem está acostumado a mergulhar em sintetizadores, pedais e recursos tecnológicos afins tem que rebolar para gravar um acústico. Ainda mais quando o formato parece estar mais do que esgotado. O Rappa, porém, encarou o desafio e se saiu bem. O caminho? Falcão, Xandão, Lauro e Lobato sacaram que para fazer frente à variedade de timbres sintéticos com os quais eles estão acostumados, precisariam de usar e abusar de timbres orgânicos. No CD/DVD "Acústico MTV", o grupo ataca de piano wurlitzer, acordólia (comprado na República Tcheca), vibrafone, bandolim, craviolas e até de gramofone adaptado para servir ao DJ Negralha. Todas as ciências de baixa tecnologia, enfim.

- Tom Capone já vinha meio conversando conosco sobre esse disco. Ele imaginava como seria uma loucura num acústico - lembra Falcão. - Depois que ele morreu, começamos a trabalhar no estúdio do Lobato, só piano e violão, e ali começamos a fazer experiências com instrumentos, banjo, cavaquinho, wurlitzer. Pensamos: "O acústico tem que refletir esse momento aqui". Experimentar faz parte do Rappa.

Como todo acústico tem convidados, este não poderia ser diferente. Desta vez, as participações especiais são a cantora Maria Rita e o rabequeiro Siba, do Mestre Ambrósio.

- Podia chamar pessoas mais próximas do nosso trabalho, como MV Bill, Zeca Pagodinho, Jorge Ben, D2... Mas queria experimentar, chamar pessoas que tinham a ver, mas com uma ligação menos óbvia - explica. - Siba é da nossa geração e com a presença dele mostramos o quanto gostamos do Brasil nordestino. Ele trouxe um timbre diferente para o disco, era melhor que trazer uma orquestra sinfônica, essas coisas.

A ligação de Maria Rita com o Rappa passa por Tom Capone, que trabalhou com ambos, e por seu estúdio, Toca do Bandido.

- Um dia passei no Toca do Bandido para visitar e encontrei Lenine, músicos, técnicos e começamos a bater um papo - recorda Falcão. - Eu estava com uns vinhos no carro, que tinha comprado para comemorar meu aniversário. Resolvi abrir as garrafas e Maria Rita chegou. Começou a bater papo, falou que curtia o Rappa, mostrou que tinha todos os nossos discos em seu laptop. Peguei o violão e perguntei o que ela gostava, ela falou que cantava "Rodo cotidiano" para o filho, por causa do "my brother". Quando toquei, vi que tinha verdade, tinha emoção.

Maria Rita, rabeca... Quer dizer que para suceder o CD "O silêncio que precede o esporro", o Rappa preparou então algo como um "O silêncio que precede o som calminho"? Nem perto. O "Acústico MTV" tem o peso e a pressão com que os fãs do Rappa estão acostumados. Não só pela riqueza de timbres preenchendo todos os espaços - graças ao reforço dos percussionistas Cleber Sena, Juninho, Bernardo e do tecladista Marcos Lobato, entre outros músicos - mas principalmente pelo vigor com que eles são executados. Tem fúria em drum'n bass, samba-rock, rap, tudo desplugado. A versão de "Lado B lado A", por exemplo, é capaz de abalos sísmicos.

"Lado B lado A", aliás, é uma das mais conhecidas do CD. O Rappa evitou a obviedade de montar um acústico de sucessos, mesmo porque já tinha feito um pouco isso no "Instinto coletivo", ao vivo lançado em 2001 - um álbum que a banda não vê muito como parte de sua discografia.

- Aquele disco não conta muito, não foi planejado. Ele nasceu como um registro no momento em que Yuka se recuperava. O CD tem sua importância como o último registro dele no Rappa - lembra Falcão.

O vocalista explica que o repertório do acústico foi pensado com mais cuidado.

- Não queríamos sucessos, com exceção de "Me deixa" , que virou um sambão, e "Pescador de ilusões", que ficou uma coisa meio árabe - conta. - Como estamos muito envolvidos ainda com o CD anterior, "O silêncio que precede o esporro", acabou entrando muita coisa dele. O legal é que não paramos para ouvir os discos para escolher as músicas. Simplesmente falamos o que seria legal de gravar em cada um.

Das 11 faixas do "Acústico", cinco foram pinçadas de "O silêncio que precede o esporro". Do CD de estréia, de 1994, entrou "Brixton, Bronx ou Baixada". Já "O pescador de ilusões" e "Eu quero ver gol" saíram de "Rappa mundi", de 1996. "Lado B lado A", de 1999, entrou com a música-título, "Homem amarelo" e "Se não avisar o bicho pega". Completam o repertório duas inéditas, "Na frente do reto" e "Não perca as crianças de vista".

Para dar uma nova cara às músicas, eles chegaram a inventar instrumentos. O mais inusitado é certamente uma espécie de teclados de campainhas. Como? Pois é. Lobato foi comprar campainha para seu estúdio novo e viu várias delas em exposição, percebeu que cada uma tinha um som afinado em uma nota e achou que talvez desse certo juntar tudo e...

- Ele montou tudo sem avisar nada. Quando ele tocou de surpresa no meio de um ensaio, nós morremos de rir, aplaudimos demais. Adoramos aquilo. O cara foi lá ver com o afinador qual era a nota de cada campainha... Ele é bom demais.

O gramofone - que "garantiu o emprego do DJ Negralha no acústico", brinca Falcão - também tem seu valor. Ele foi comprado pelo vocalista na Holanda, que a princípio não acreditou muito que ele funcionava sem energia elétrica. Mas funciona.

- São vinte voltinhas na manivela, a agulha parece um prego, mas sai um som incrível. O Negralha soltou umas músicas que eu trouxe da Europa, sons de lugares como a Tchecoslováquia.

Quem quiser ouvir ao vivo as invenções do Rappa e os novos arranjos tem que esperar até novembro, quando eles estréiam no Olympia, em São Paulo. Depois eles seguem para a turnê no resto do Brasil.

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