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Quando Curitiba perdeu Neyde Thomas, em 1.º de agosto do ano passado, ex-alunos e colegas expressaram, além do luto, uma preocupação relacionada ao legado que a cantora deixava. A soprano paulista, que tivera uma sólida carreira internacional, era considerada uma das principais formadoras de cantores líricos do Brasil, e atraía alunos de todo o país e do exterior desde que se mudou para a cidade, na década de 1980. O que seria da ópera em Curitiba depois dela?

Para o compositor e regente Márcio Steuernagel, o caso de Neyde exemplifica bem a instabilidade das condições para a formação de músicos na cidade devido à falta de políticas de institucionalização efetiva. O trabalho da cantora continua sendo tocado por Rio Novello, seu marido, e ex-alunas como Kalinka Damiani, que participaram da atual edição da Oficina de Música de Curitiba. Mas essa continuidade está diretamente ligada a Neyde. "A gente consegue ter heróis, mas não consegue trabalho de longo prazo", diz o músico. "Curitiba era um polo de canto lírico por causa de uma pessoa, não por causa de uma instituição. E as pessoas passam."

Outros casos isolados podem ser apontados, como o da professora Hildegard Soboll Martins, responsável pela introdução do método Suzuki em Curitiba, no fim da década de 1970. "Ela formou uma geração enorme de violinistas de primeiro time", diz o compositor e professor do departamento de Artes da UFPR Maurício Dottori. "Alguns estão aqui, ensinando. Mas os que foram mais longe tiveram que ir embora", diz o músico. "Você consegue uma boa formação até certo nível, mas se quer realmente ir mais alto, precisa sair", diz.

De acordo com artistas entrevistados pela Gazeta do Povo, é possível conseguir aqui uma boa formação em instrumentos como o piano e, como se viu, composição – essa última, graças ao próprio Dottori e a professores como Harry Crowl e o maestro Osvaldo Colarusso, com quem muitos músicos tiveram aulas de história da música, harmonia, contraponto, formas musicais, instrumentação, orquestração e outras disciplinas necessárias à formação de compositores. Também é mencionado como uma perspectiva positiva o curso de mestrado em Música da UFPR. "No aspecto acadêmico, estamos progredindo", diz Steuernagel.

Atuação

Chama a atenção que, ao citar os destaques entre os compositores da nova geração, se constate que muitos deles não atuam em Curitiba, ou sequer no país. O mesmo acontece com os melhores instrumentistas. Para Steuernagel, não se trata propriamente de ausência de espaços – eles vão desde casamentos a pequenas orquestras, passando por grupos maiores, como a Orquestra Sinfônica do Paraná, a Camerata Antiqua de Curitiba, a Filarmônica da UFPR e a Orquestra de Câmara da PUCPR.

No entanto, o mercado de atuação sofre a mesma insegurança da falta de continuidade. "Veja o caso dos alunos de Neyde Thomas: forma-se uma quantidade enorme de cantores líricos, mas para cantar o quê e onde, se o Guaíra não tem temporada de ópera?", questiona Harry Crowl.

Dottori concorda: "Como estamos, é possível chegar até certo ponto. Mas a partir dele você precisa de uma grande efervescência para produzir gente brilhante", diz o músico, que dá a receita: "É preciso uma porção de grandes músicos que sejam também bons professores, porque assim são atraídos outros para estudar com eles. E também eventos continuados, em que essas pessoas se apresentem e dos quais a comunidade tenha orgulho", diz. A capital paranaense, de acordo com o músico, apesar de ter um porte comparado a cidades como Madri e Milão, ainda está longe. "Mas vamos chegar lá", diz.

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