
Depois de encontrar sua amada Baviera arrasada pelos bombardeios aliados, Strauss parece ter reencontrado a sua musa inspiradora. Em 1945, escreve uma partitura que é realmente digna de seu gênio: Metamorfoses, para 23 instrumentos de cordas. Nesta genial composição temos um retrato fiel de um país devastado, e de uma pessoa que, ao que parece, caiu em si. A citação da "Marcha Fúnebre" da Sinfonia Eroica de Beethoven deixa claro o sepultamento de todo um sonho. Em seus quatro últimos anos de vida Strauss nos surpreende com três obras primas: o Concerto para Oboé e Pequena Orquestra, o Duplo Concertinho para Clarinete, Fagote, Harpa e Cordas, e sua fantástica última obra: Quatro Últimas Canções, para soprano e orquestra, com textos de Hermann Hesse e Joseph von Eichendorff. Estas canções, estreadas postumamente em 1950, estão entre suas melhores obras, uma incomparável e refinada despedida da vida.
Legado
Richard Strauss foi um dos mais influentes compositores de sua geração. Autores tão diferentes como o húngaro Bela Bartók, o polonês Karol Szymanovski, o austríaco Arnold Schoenberg e os brasileiros Francisco Braga e Leopoldo Miguez escreveram obras que beiram a imitação do estilo orquestral do compositor bávaro. Depois que Strauss passou a fazer sucesso como compositor de óperas, sua influência também se fez sentir neste campo. Basta ouvirmos A Cidade Morta (Die Tote Stadt) de Korngold, ópera composta em 1919, para percebermos a proporção desta influência.
O repertório sinfônico foi amplamente enriquecido por Strauss. Seus poemas sinfônicos Don Juan, Till Eulenspiegel, Morte e Transfiguração, Assim Falou Zarathustra, Don Quixote e Vida de Herói, além de suas duas sinfonias, a Sinfonia Alpina e a Sinfonia Doméstica, são itens indispensáveis no repertório de qualquer grande orquestra.
Em termos operísticos Salomé, Elektra e O Cavaleiro da Rosa estão entre as óperas compostas no século 20 mais executadas. Além disso, Strauss compôs dezenas de canções, todas elas excepcionalmente belas, seja as acompanhadas por piano ou por orquestra.
No Brasil
Richard Strauss esteve em nosso país duas vezes, em 1920 e em 1923. Neste último ano, veio como regente da Orquestra Filarmônica de Viena. Em 1920, regeu seis concertos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, executando obras de sua autoria (Don Juan, Morte e Transfiguração e Till Eulenspiegel) além de obras de Beethoven, Wagner, Debussy e de três compositores brasileiros: Alberto Nepomuceno ("Prelúdio", de O Garatuja), Francisco Braga (Marabá) e Henrique Oswald (Feuilles dautonne).
Em 1923, frente à Filarmônica de Viena, regeu nada menos do que treze concertos no Theatro Municipal carioca. Nesta temporada regeu seis de seus poemas sinfônicos e suas duas sinfonias, a Doméstica e a Alpina, além da primeira audição brasileira da Primeira Sinfonia de Gustav Mahler. Ele regeu também a obra pouco conhecida de Stravinski, Feux dartifice. O compositor brasileiro escolhido para esta temporada foi Francisco Mignone (Dança e Minueto). No ano de 1920, mais precisamente no dia 2 de outubro, assistiu horrorizado, no mesmo Theatro Municipal do Rio, a uma apresentação de sua ópera O Cavaleiro da Rosa, cantada em italiano (Claudia Muzio cantava o papel da Marechala) e regida por Tulio Serafin. Em uma divertida carta a Hoffmanstahl, escrita na então capital do Brasil, Strauss reclama da sujeira da cidade e da enorme bagunça que reinava no teatro. Sem comentários...
Richard Strauss para ouvir e ver
Existem inúmeros registros do próprio Richard Strauss, que era um excepcional maestro, executando suas obras. A melhor compilação foi editada pelo selo Deutsche Grammophon, num álbum de 7 CDs em que ele rege suas obras mais importantes, além de interpretar de maneira fantástica sinfonias de Mozart e Beethoven.
O maestro alemão Wilhelm Furtwängler permanece como referência na execução dos poemas sinfônicos Morte e Transfiguração, Don Juan e Till Eulenspiegel (EMI). Os registros realizados pelo grande amigo do compositor, Karl Böhm, são excelentes e contradizem o bombástico e apelativo hábito dos maestros mais recentes ao reger estas belas obras.
A orquestra que melhor capta a sonoridade pensada por Strauss ainda é a Staatskapelle Dresden. Prova disso é a excepcional gravação regida em Dresden no ano de 2009 pelo italiano Fabio Luisi da Sinfonia Alpina (Sony). Em se tratando das óperas, apenas em áudio, destaco Salomé e Elektra regidas por Georg Solti, com a fantástica Birgit Nilsson nos papéis-título. O Cavaleiro da Rosa regida por Erich Kleiber (Decca) permanece como referência, e Ariadne auf Naxos, regida por Herbert von Karajan em 1954, com os sopranos Elisabeth Schwarzkopf e Rita Streich (EMI) pertence a uma lista de gravações inesquecíveis.
A Mulher sem Sombra teria sua melhor versão naquela de Karl Böhm realizada em Viena no ano de 1985, com Nilsson e Rysaneck, não fossem os inúmeros cortes (Deutsche Grammophon). Por isso, sugiro a versão sem cortes regida por Wolfgang Sawalisch, realizada em Munique com Studer e Vinzig no ano de 1987 (EMI).
Em termos da excelente música vocal de Richard Strauss destaco as gravações de Elisabeth Schwarzkopf, Diana Damrau e de Jonas Kauffman. As Quatro Últimas Canções definitiva é a de Jessye Norman e Kurt Masur (Philips). Nunca esta música maravilhosa foi tão bem realizada. Um sonho.
Em termos de óperas em vídeo, esbarramos com encenações fora de propósito que distorcem totalmente a obra. Recomendo a Salomé encenada por Luc Bondy e regida por Christoph von Dohnányi, com a impecável Catherine Malfitano (DECCA). Acaba de ser lançada em DVD uma versão em vídeo da Elektra que é de longe a melhor. No papel título, Evelyn Herlitzius e Waltraud Meier no papel de sua mãe são absolutamente superlativas. A regência de Esa-Pekka Salonen é perfeita, e temos aqui a última e excelente encenação de Patrice Chéreau (Bel Air).
O Cavaleiro da Rosa tem duas gravações diferentes em DVD regidas por Carlos Kleiber. Na dúvida, fique com as duas (Deutsche Grammophon). A Ariadne auf Naxos em DVD que destaco é a de Jessye Norman e Kathleen Battle, regida por James Levine (Deutsche Grammophon). Se quisermos evitar as ridículas cenas passadas em super mercados ou em naves espaciais, recomendo A Mulher sem Sombra encenada por Götz Friedrich e impecavelmente regida por Georg Solti no festival de Salzburg de 1992 (DECCA).



