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Literatura

O saber entre aspas

Obra reúne entrevistas feitas na Europa com figuras lapidares de áreas diversas do conhecimento

Fãs adoram o "estilo" Amy Lee | Divulgação/Seven Shows
Fãs adoram o "estilo" Amy Lee (Foto: Divulgação/Seven Shows)

Perseverança é uma palavra que pode definir Fernando Eichenberg. O jornalista gaúcho passou mais de um ano fazendo "numerosos" telefonemas para Jean-Luc Godard até convencer a lenda-viva do cinema francês a ceder uma entrevista. "Você insistiu e conseguiu o que queria", ouviu do diretor de Acossado (1959).

Godard é uma das 27 personalidades com que Eichenberg conversou entre 1999 e 2005. O resultado desses encontros está no livro Entre Aspas – Diálogos Contemporâneos, recém-lançado pela editora Globo. O autor fez perguntas para escritores, pensadores, cineastas, atores, um compositor, um arquiteto e até para o técnico de futebol Aimé Jacquet, um dos responsáveis pela vitória da França na Copa do Mundo de 1998.

Radicado em Paris há quase uma década e vivendo no bairro Saint-Germain des Près – onde Ernest Hemingway costumava beber umas cervejas –, Eichenberg publicou a maioria das entrevistas em jornais (Zero Hora, Valor Econômico, Folha de S.Paulo) e revistas (Bravo!, República). Outras, como a da atriz Fanny Ardant, foram veiculadas na tevê paga, pelo canal GNT.

Uma delas, com o ator francês Michel Piccoli à época em que encarnou o dramaturgo russo Anton Tchekhov nos palcos franceses, permanecia inédita.

Todo o material foi revisado pelo autor, questões datadas foram eliminadas, dando lugar a respostas que ficaram de fora das primeiras versões por razões editoriais ou de espaço.

O livro vale também pelos textos de apresentação que antecedem cada pingue-pongue (jargão jornalístico para o formato perguntas-e-respostas), em que são revelados detalhes de bastidores e episódios curiosos. Entre eles, a experiência de encarar o diretor Emir Kusturica quando este estava de ressaca da noitada anterior ou a descrição do escritório em que o diretor Eric Rohmer o recebeu, onde era possível ver uma máscara mortuária de F. W. Murnau, cineasta alemão que dirigiu Nosferatu (1922).

Boa parte das figuras que ouviu é francesa ou vive na França, país que parece dominar a filosofia atual com pensadores célebres como Luc Ferry e André Comte-Sponvillle – ambos amigos e com obras publicadas no Brasil –, sem mencionar Bernard-Henry Lévy, quase um popstar.

Entre os pensadores, o jornalista falou com Paul Virilio, Jean Baudrillard, Elisabeth Badinter e Tzvetan Todorov. Mas admite ter se emocionado diante do belga Claude Lévi-Strauss, lenda-viva de 98 anos (então com 96). "Ao mesmo tempo lúcido, irônico e amargo em relação à vida."

Se a França domina a cena intelectual, o mesmo não se pode dizer da literatura ou do cinema, áreas em que o país de Sartre parece estar pouco inspirado. Os nomes reunidos no Entre Aspas são de senhores com idade para serem avôs ou mesmo bisavôs, vide Godard (76), Rohmer (87), o diretor Patrice Chéreau (63), as atrizes Fanny Ardant (58) e Isabelle Huppert (54), e o já citado Michel Piccoli (81). Todos ícones da cinematografia francófona.

Romancistas franceses, não há nenhum. A categoria está representada pelo italiano Antonio Tabucchi e pelo albanês Ismail Kadaré.

Para Eichenberg, o que ocorre no mercado editorial francês é uma espécie de praga, com estantes tomadas por "confissões umbilicais, relatos autobiográficos enfadonhos e falsos romances na primeira pessoa". No cinema, o mal é o mesmo.

"Raros filmes e autores se destacam em meio a uma numerosa produção caracterizada por uma linguagem déjà vu e temas franco-franceses que não conseguem alcançar uma abordagem mais universal e tratar de histórias humanas que transcendam", explica.

O brasileiro vê Paris, hoje, "como uma cidade um tanto travada em relação a outras capitais européias como Londres, Berlim e mesmo Madri, essas mais dinâmicas e abertas para o mundo". Na sua opinião, a cultura francesa – quase imbatível nos museus e na gastronomia – corre o risco de viver mais do passado do que do presente, "se persistir uma certa falta de inspiração e de inovação".

Quando comenta os desafios e complicações dos encontros que teve com diversas personalidades, Eichenberg gosta de citar o diretor inglês de teatro Peter Brook, para quem a entrevista é um "processo vivo" e, por isso, sempre imprevisível. "Essa imprevisibilidade torna cada entrevista um momento único."

Embora hesite em apontar a conversa que mais o marcou, confessa ter sofrido uma certa apreensão quando Godard, enfim, aceitou recebê-lo. Um tanto incomodado no papel de entrevistado, o jornalista gaúcho responde rápido qual seria a entrevista dos seus sonhos. Bob Dylan.

Serviço: Entre Aspas – Diálogos Contemporâneos, de Fernando Eichenberg (Editora Globo, 464 págs., R$ 40).

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