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Livro

O senhor de todos os códigos e signos

O´Último Símbolo, novo livro de Dan Brown, é denso em quebra-cabeças e tem tudo para agradar os leitores de Anjos e Demônios e Código Da Vinci

Uma das teorias sustentadas pelo novo livro de Dan Brown, The Last Symbol (O Símbolo Perdido, na edição em português, que será lançada em dezembro pela editora Sextante) é a de que, quando há muita gente pensando a mesma coisa, esse pensamento pode ter consequências no mundo real. Como alguém cujas ideias têm, de fato, suas consequências no mundo real, Dan Brown, autor dos bet sellers Anjos e Demônios e Código Da Vinci, está bem consciente do quanto ao mesmo tempo que lido por muitos, será também escrutinado muito de perto. Até permite que uma das personagens faça piada sobre a popularidade garantida do livro. A dra. Katherine Solomon, especialista em noética, a ciência do pensamento, e particularmente interessada nas conexões corpo-mente, reconhece que seu campo de trabalho não é amplamente conhecido. Mas, com sua história publicada, ela sugere, a noética poderia ganhar a mesma notoriedade que Dan Brown proporcionou ao Santo Graal.

A dra. Solomon acompanha Robert Langdon, o excêntrico simbologista que, na maior parte desse romance, a terceira de suas intensas aventuras, se alterna entre a ousadia e a precipitação. Conforme os brownmaníacos há muito tempo adivinhavam, a caçada envolve os segredos da maçonaria e se passa em Washington, em cuja arquitetura alguns desses segredos se escondem e, portanto, estão bem à vista. Também quanto ao rumor de que O Símbolo Perdido, em algum momento, teve o título de A Chave de Solomon – bem melhor do que o definitivo, muito genérico –, os fãs estavam certos.

E, no quesito palpites seguros, já estava de bom tamanho. O que ninguém poderia adivinhar, apesar das pistas antecipadas sobre cenário e tema do livro, era se Brown seria capaz de reencontrar seu entusiasmo pela brincadeira. Conseguiria, mais uma vez, contar uma história do tipo caça ao tesouro de tirar o fôlego, salpicada de minúcias estranhamente iluminadoras? Conseguiria transformar alguma forma de profunda sabedoria em pretexto para um jogo escapista? A essa altura, sua fórmula, de tão imitada, já sofreu tantos danos que é quase impossível acertar com ela.

Muitos autores populares (como Thomas Harris), depois de um enorme acerto (O Silêncio dos Inocentes), publicaram uma continuação terrivelmente constrangedora (Hannibal). Brown não é um deles. Ao contrário, tem injetado vida a um gênero que já era dado como morto.

Mesmo que, em princípio, esse novo livro soe perigosamente como um clone, acaba por engrenar. De novo, uma cena bizarra num cenário famoso (o Capitólio, em vez do Louvre), outra vez uma série de segredos conspiratórios e um bandido masoquista e de aparência esquisitona (um musculoso tatuado, em lugar do monge albino), parecido até demais com os vilões de histórias em quadrinhos. "Se soubessem o poder que te­­nho...", pensa a versão atual do psicopata, um falastrão que se autointitula, em código, Mal’akh. "Esta noite minha transformação será completa."

Mal’akh aparece num prólogo sinistro, algo estereotipado, em que ocorre sua iniciação, sob disfarce, no mais alto escalão da maçonaria. Em seguida, o retorno de Langdon, que reencontramos num avião privado a caminho de Washington. Ele atendera, de última hora, ao chamado urgente para uma palestra, a convite de Peter Solomon, mentor de Langdon e irmão de Katherine.

Por que a urgência pela presença de Langdon? Ele mal desce do avião e uma mulher vem comentar seu livro mais recente, sobre a igreja e os elementos sagrados do feminino: parece ter criado algum tipo de furor. "Que escândalo maravilhoso esse livro provocou!", ela diz. "O senhor gosta mesmo de colocar a raposa para dentro do galinheiro!"

Langdon se encaminha à Galeria de Bustos Nacionais, no prédio do Capitólio, onde deve se apresentar. E aqui surge a primeira pegadinha de Brown: o convite de Solomon era falso. Não há plateia nenhuma aguardando a palestra. Assim que Langdon se dá conta de que fora atraído a Washington sob um pretexto mentiroso, um grito é ouvido para os lados da Rotunda. Algum perverso havia depositado, exatamente em cima da Cripta do Capitólio, a mão tatuada e decepada de Peter Solomon – logo abaixo dela, o domo decorado com a figura de George Washington, um dos pais fundadores e maçom, ali retratado como uma divindade ascendente. "Isso não combina nem um pouco com as bases cristãs deste país", resmunga o baixinho e irritado agente da CIA no papel de Jar Jar Binks (personagem da segunda trilogia da série Star Wars) desse livro, quando Langdon começa a palestrar sobre os "Mistérios Ancestrais" que o Capitólio oculta.

Enquanto isso, no Centro de Apoio do Museu Smithsonian, em Maryland (o livro fornece os nomes das ruas, caso você não queira esperar pelos tours de ônibus oficiais inspirados em Dan Brown), a dra. Solomon está em seu laboratório, localizado num prédio imenso e muito bem-vigiado.

É ali, também, que fica guardado o meteorito ALH-84001, de Marte, e uma architeuthis (um tipo de lula gigante). E aqui vale mencionar que Brown põe esforço extra para tornar o livro um verdadeiro jogo de palavras cruzadas. Já repleto de códigos e pistas, o romance é denso em quebra-cabeças: do alfabeto Futhark ao Eiomahe e aos quadrados mágicos do Kubera Kolam.

Enigma

Quanto à simbologia, propriamente dita, há uma passagem sensacional em que Mal’akh prende Langdon numa caixa que começa a se encher d’água rapidamente. Ele, então, mostra a Langdon um xadrez de 64 posições com símbolos em código. Se Langdon não descobrir a chave do enigma em me­­nos de 60 segundos, parará de respirar e algo de terrível acontecerá: não chegaremos, nós, a perder o fôlego com mais uma das emocionantes histórias do simbologista.

A esplêndida habilidade de Brown em criar esses enigmas compensa o que poderiam ser suas limitações como autor. No universo hermeticamente fechado deste livro, as motivações dos personagens não precisam realmente fazer sentido; devem apenas gerar o clímax sem fim que torna impossível parar de ler O Símbolo Perdido. De modo que é melhor que a história de Mal’akh não seja revelada para além dos fatos de que ele é mau, tatuou e castrou a si mesmo e não gosta de Langdon.

O autor exagera, ainda, de tal forma no uso de palavras reforçadas em itálico que até os mais brilhantes experts soam como uma menina adolescente falando. E Brown teria um desafio criativo interessante se não pudesse usar frases como "Que diabos...?", "Quem diabos...?" e "Por que diabos...?". As surpresas, no livro, se sucedem de maneira tão rápida e furiosa que essas expressões são postas à prova.

Mas, novamente, o tom empolgante e hiperbólico de Brown é um dos prazeres envergonhados de seus livros. ("‘Na verdade, Katherine, não é uma algaravia qualquer.’ Seus olhos brilharam outra vez com a excitação da descoberta. ‘É... latim.’") Basta um dia de trabalho para que Langdon decifre "uma imagem solitária que representava a iluminação do deus-sol egípcio, o triunfo do ouro alquímico, a sabedoria da Pedra Filo­sofal, a pureza da Rosa Cruz, o momento da Criação, o Todo, a dominância do sol astrológico" e outras coisas mais nessa vertente cósmica e mística.

O Símbolo Perdido consegue tomar um caminho tortuoso e mudar de rumo em muitos desses aspectos do oculto, mesmo que desemboque num mistério final que se mostra surpreendente por uma razão estranha: não é surpresa nenhuma. Conduz, ainda, a uma afirmação da fé. No final das contas, é o otimismo suave de Brown, mais do que as explicações detetivescas de Langdon, o que mais impressiona seus leitores.

A escrita de Brown já trazia cenários de encher os olhos muito antes de seus livros se tornarem material para filmes. Novamente ele dá vida à história com descrições incríveis. Alguns dos pontos altos: a ambientação incomum, em termos de potencial para o suspense, do laboratório de Katherine; as entranhas da Biblioteca do Congresso; o imenso tanque onde fica a lula gigante architeuthis; e dois muitíssimo familiares pontos turísticos, ambos vistos, pela inteligente mudança de perspectiva adotada por Brown, como novidades de tirar o fôlego. Graças a ele, os cartões-postais dos mais famosos monumentos da capital nunca mais serão os mesmos.

Finalmente, há a arte da capa de O Símbolo Perdido, e a contracapa coberta com centenas de símbolos que formam minúsculas inscrições em código. São tão apagadas que, para conseguir vê-las, é preciso pegar o livro nas mãos – o que você já ia fazer mesmo, provavelmente.

Tradução de Christian Schwartz.

Serviço: The Last Symbol, de Dan Brown. Doubleday Books, 528 págs., US$ 16,17(www.amazon.com).

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