
O poeta mineiro Francisco Alvim, um dos expoentes da chamada "poesia marginal" brasileira durante a década de 70, conversa com seus leitores sobre a importância da leitura em sua vida, sua obra e seu estilo na próxima edição do Paiol Literário. O evento, promovido pelo jornal Rascunho, em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, o Sesi Paraná e a Fiep, acontece nesta quarta-feira, a partir das 20 horas, no Teatro do Paiol, e tem a mediação do editor do Rascunho e diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira.
Autor dos livros Elefante, e O Metro Nenhum, além da coletânea Poemas [1968-200], entre outros, Alvim, hoje com 74 anos, estreou na literatura em 1974 com a obra Sol dos Cegos, e ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti, pelas coletâneas Passatempo e Outros Poemas e Poesia Reunida (1968-1988). Nesta entrevista, o escritor fala sobre os elementos da poesia e da relação que a linguagem tem com a sua vida.
O conceito de poesia marginal não é, de certa maneira, redundante?Eu nunca fui muito adepto desse conceito. O termo "Marginal", assim como "Geração Mimeógrafo", foi fruto das circunstâncias e da necessidade de rótulo. Fazia um certo sentido na época, porque era uma maneira de denominar um surto de poesia que estava surgindo, ainda que muita gente achasse que era uma poesia sem valor nenhum. Esse grupo respondia a uma sensibilidade da época, de fazer frente a todos os desafios do período. A necessidade de dar espaço à expressão poética, enfim. Agora, eu não acho que o interesse pela poesia tenha diminuído. Acho que a poesia sempre foi uma atividade marginal, minoritária, só que agora há uma série de elementos que dão uma especificidade nova a essa marginalidade, como os limites entre entretenimento e cultura, por exemplo.
Por o senhor optou pela poesia? O que há, nela, que a difere da prosa, por exemplo?Para mim, é uma profissão de fé. Eu comecei com 14, 15 anos, e tive um convívio intenso com a poesia, e por isso tenho uma convicção de que existem certas coisas que só um poema pode exprimir. Seu significado pode se perder ou se metamorfosear com o passar do tempo, mas a prosa não toma seu lugar. Diferentemente da prosa, a poesia tem uma aderência, uma simultaneidade, que a aproxima muito mais do fluxo temporal e espacial, sonoro, melódico, rítmico, etc. Ela traz uma série de dados não lineares que são de uma riqueza e de uma complexidade enormes. Eles trazem um tumulto em si, é uma coisa que se passa inteiramente no plano da linguagem, que tende a ser mais inventiva quando a poesia é, de fato, poesia. Porque há uma série de elementos que concorrem com a expressão poética, e também a própria competência dos poetas, torna o gênero muito frágil. Há uma grande aspiração à poesia e o fracasso é enorme. A poesia que não é poesia aparece logo, e você vê, até nos melhores poetas, que em alguns momentos eles iludem os leitores, e se iludem também.
Paralelo à mecânica do verso, há o sentimento da poesia. Que importância ela ocupa num poema?A questão dos sentimentos na poesia é de uma complexidade imensa. Muito da cultura contemporânea é feita na base da negação do sentimento. O sentimento virou uma coisa ligada ao sentimentalismo, às emoções fáceis, em contraposição aos elementos intelectivos. Mas, a meu ver, o sentimento é tudo, é o valor mais alto do mundo. Tudo o que foi feito de bom na história da humanidade foi com o sentimento, e tudo de ruim foi feito pela a falta de sentimento. Eu acho que, na poesia, o sentimento antecede a palavra. Ele se produz num plano caótico, porque as emoções são muito fortes. Esse plano é ambíguo, é evasivo, é um terreno muito pouco firme para se trabalhar em cima dele. E eu acho que a verdadeira poesia é aquela que não foge a esses desafios, e que procura ligar o sentimento à linguagem. Como diz um verso do Mário Faustino, "Vida toda linguagem". Mas a linguagem só é interessante em seu vínculo com a vida, ela não pode estar desligada desse aspecto. No final, o que se produz, em si, é o sentimento.
E como balancear esses dois elementos aparentemente díspares em um mesmo texto?Esse é um dos grandes desafios de ser poeta. Se você racionaliza demais o fluxo, pode empobrecer o núcleo. Há poetas que conseguem racionalizar sem empobrecer, é claro. Um poeta forte consegue manter um equilíbrio entre essas duas forças, da emoção e da razão, mas se por acaso o lado da razão pende mais, o poeta se torna dono de uma fórmula que não traz nenhuma surpresa. Porque a poesia está também nisso: no caráter da surpresa das emoções humanas inéditas. Ele surge, nasce e morre em si mesmo, porque está ligado a um núcleo que é originário daquele instante em que o poema é cometido, originário dos elementos de concisão. É claro que isso, do ponto de vista prático, é muito difícil de reconhecer. São assuntos que a rigor a gente não deveria nem abordar, são tão complexos que existe um esforço que só mesmo um pensamento maturado pode chegar a uma conclusão. Como é a relação da poesia com a sua vida?Eu acho que eu sempre a quis com a mesma intensidade, desde que eu comecei até hoje. O meu convívio diário com a poesia tem muito pouco de uma reflexão consistente. A minha vida é uma vida banal. O meu vínculo com a poesia é muito determinado por esses limites do meu cotidiano, da minha circunstância de vida, mediana e objetiva. Não tem nada de extraordinário na minha vida, mas que aquilo que sai não dependa da minha relação com o ofício da poesia. Que ela possa transcender, que ela possa dizer mais do que eu pretendo e do que eu tenho consciência.
ServiçoPaiol Literário Francisco AlvimTeatro do Paiol (Lgo. Guido Viaro, s/n.º), (41) 3213-1340. Dia 3, às 20 horas. Entrada franca.



