A atriz, roteirista e diretora francesa Agnès Jaoui construiu sua obra em torno de um momento específico: aquele em que caem as máscaras dos personagens. Eles são sempre seres insatisfeitos que se escondem atrás de um mundo de aparências e que decidem (ou são levados a) desempenhar um novo papel em suas vidas. Era assim com o empresário enfastiado com o mundo dos negócios que decidia mergulhar no mundo teatral em O Gosto dos Outros (2000) e com a garota acima do peso que tentava provar seu valor como cantora lírica em Questão de Imagem (2004).
Em seu terceiro filme, Enquanto o Sol Não Vem, que estreia hoje no Cine Luz, os personagens continuam a girar a roda da frustração e da mudança. Agathe Villanova (Jaoui) é uma escritora feminista que tenta entrar para a política. Karim (Jamel Debbouze) é um porteiro de hotel que quer virar cineasta, incentivado pelo veterano jornalista Michel Ronsard (Jean-Pierre Bacri).
Os dois decidem fazer um documentário sobre Agathe, porque ela é "a única mulher famosa que conhecem": Karim é filho da empregada argelina de Agathe, Michel é amante da irmã dela. Dos encontros entre os três para o documentário, nascem os episódios cômicos e dramáticos que aos poucos revelam quem eles são por baixo da camada da encenação social: Agathe, uma feminista incapaz de ver que trata a empregada como escrava; Karim, um descendente de imigrantes revoltado com a condescendência dos franceses; Michel, um jornalista que se diz consagrado e não consegue emplacar um projeto há anos.
Mas o olhar de Jaoui para seus personagens não é de condenação, e sim de afeto. Eles só se tornam serem íntegros quando se revela tudo que lhes falta. Jaoui já foi associada ao americano Woody Allen (por um cinema mais centrado no texto e pouco preocupado com a linguagem, pelo olhar cômico para a burguesia da metrópole) e à fase mais recente da obra do francês Alain Resnais (natural, pois ela colaborou nos roteiros de Smoking/No Smoking e de Amores Parisienses). A cineasta de 44 anos pode não ter o gênio cômico do primeiro ou a imaginação visual do segundo, mas vem construindo uma obra bastante sólida, com uma visão de mundo particular e uma autoralidade discreta, que não ostenta suas virtudes.
"Durante muito tempo, o que um homem significava para mim era uma ameaça à minha liberdade", diz Agnès Jaoui. O significado de um homem para uma mulher e vice-versa ocupa boa parte da trama, na qual Jaoui revê suas ideias sobre o feminismo e também sobre a discriminação.
"A França não se dá conta de seus traços colonialistas", diz ela, que é de origem tunisiana. No filme, Jaoui vive Agathe, uma escritora prestes a assumir um cargo político, amparada num sistema de cotas para representação das minorias.
Por conta da carreira, ela, que é solteira e sem filhos, retorna à sua cidade-natal e ao convívio com a irmã, uma mulher frágil e emocionalmente dependente do marido, a quem já não ama.
Embora trate de "vítimas obcecadas" e de questões duras como a discriminação e os conflitos de gênero, Enquanto o Sol Não Vem tem um desfecho que não tende ao desastre, assim como os filmes anteriores de Jaoui.



