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Visuais

Obras para os cinco sentidos

Nem sempre o olhar é suficiente para compreender uma obra de arte em sua totalidade. É o que revela uma exposição dedicada ao público em geral, mas especialmente aos portadores de necessidades especiais

Ernesto Neto: obra de 2007 reúne tule de lycra a temperos como cominho, pimenta,  gengibre e açafrão |
Ernesto Neto: obra de 2007 reúne tule de lycra a temperos como cominho, pimenta, gengibre e açafrão (Foto: )

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Bené Fonteles: madeira, tecido, couro e chocalhos |

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Bené Fonteles: madeira, tecido, couro e chocalhos

Em uma exposição coletiva, o artista do século 19 Estêvão Silva – primeiro pintor negro brasileiro de destaque – cortou frutas e pôs perto das naturezas-mortas para que as pessoas sentissem o odor.

Naquele tempo, Silva já pressentia que a arte, para ser aproveitada de forma completa, não deve ser recebida apenas pelo olhar.

A mostra Poética da Percepção – Questões da Fenomenologia na Arte Brasileira, que abre na próxima terça-feira (2), no Museu Oscar Niemeyer, revela como a arte brasileira se envolveu com o fenômeno da percepção, principalmente entre os artistas neoconcretistas, na década de 1950. O movimento traduziu para a arte questões discutidas por filósofos franceses como Merleau-Ponty, para quem "nenhuma experiência humana se limita a um dos cinco sentidos, já que "os sentidos se decifram uns aos outros".

Tato, olfato, audição e paladar – além da visão – serão aguçados na visita à mostra, criada em 2007 pelo curador Paulo Horkenhoff, a convite da empresa de telefonia Vivo, que tem entre suas iniciativas sociais projetos de inclusão de pessoas com deficiência. A exposição passou anteriormente por São Paulo e Rio de Janeiro.

A pintura em óleo sobre tela "Natureza Morta", de Estêvão Silva, dá início a exposição – desta vez, sem frutas, mas com pratos que liberam odores –, que traça um panorama do fenômeno da percepção na arte brasileira. O curador explica que a mostra foi pensada para pessoas portadoras de necessidade especiais, mas contempla todos os públicos. Afinal, já dizia o pintor Gauguin, em pleno século 19: "Eu fecho os olhos para ver".

Horkenhoff preocupou-se, desde o início, em não realizar uma mostra paternalista. "Ela não abre mão da qualidade, da relação com a história da arte brasileira", diz. Estão lá 28 obras de artistas consagrados pertencentes a vários períodos da arte nacional, que permitem aos visitantes explorar sensações peculiares – entres eles, a paranaense Eliane Prolik.

Os cegos poderão tocar livremente todas as obras – nem todas, no entanto, precisam ser tocadas por quem vê. A sensualidade de uma escultura do italiano radicado em São Paulo Victor Brecheret, por exemplo, pode ser percebida pelo olhar. Já a obra do paraense Benê Fonteles – uma placa de madeira com tecido, madeira, couro e chocalhos – pode (e deve) ser tateada por todos.

"Nas pinturas, é possível sentir a textura; na escultura, os materiais duros, trabalhados com superfícies muito delicadas, rugosas, quentes como a madeira e a pelúcia", explica o curador, citando, como exemplo, as relações entre tecidos, toalhas macias e áreas duras das obras da paulista Leda Catunda.

A exposição é muito sóbria em termos visuais. "A idéia é evitar comentários a que os deficientes visuais não tenham acesso, para que possam usufruir conceitualmente de tudo", diz Horkenhoff. Uma mesma etiqueta informa em braile e alfabeto latino, "para que os acompanhantes e os cegos possam conversar".

Gustavo Rosa de Moura, responsável pelo projeto museológico da mostra, criou uma bancada com bordas roliças para que a mão deslize com facilidade. A parte de baixo é aberta para o cadeirante entrar e tocar a obra de arte. "A aparência é a de um objeto dos anos 1950, mas corresponde a uma das estratégias de acessibilidade", explica o curador.

Ele conta que a exposição, com disposição espacial para que todas as obras possam ser percorridas num circuito único, propõe as "limitações como potência". Ou seja: a falta de um dos sentidos permite que os outros fiquem muito mais apurados, como no caso dos cegos. "O público que tenha plenos sentidos, vai perceber que, nem sempre, o olhar assegura e oferece certezas", diz.

Serviço

Poética da Percepção – Questões da Fenomenologia na Arte Brasileira. Museu Oscar Niemeyer – MON (R. Mal. Hermes, 999), (41) 3350-4400. Abertura, dia 2 de setembro, às 19 horas, para convidados. 3ª a dom. das 10 às 18h. R$4 (adultos), R$2 (estudantes), livre (crianças até 12 anos, idosos e escolas públicas pré-agendadas). Até 7 de dezembro.

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