Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Opinião

Olhando o quinto do chão, olhando o chão do quinto

Dualidade entre classes é o tema do curta "Menino do Cinco"

Um menino, branco, solitário no quinto andar do seu apartamento. Um menino, negro, solitário com seus quatro colegas. Um filhotinho de cachorro. Dois mundos opostos e distantes – apesar da irônica proximidade. Em parte, é isso que encontraremos no premiado "Menino do Cinco" de 2012, dos diretores baianos Marcelo Matos de Oliveira e Wallace Nogueira.

O curta com 19 minutos diz muito mais que apresenta. A dualidade entre uma classe rica e outra desprovida de bens fica nitidamente marcada pelo jogo de câmera. Dois olhares do mesmo objeto, dois mundos que tentam ser simétricos, apontando um aspecto em comum.

A questão social é nitidamente exposta pelos dois protagonistas: o menino branco do quinto andar e o menino negro – parte de um grupo com outros quatro, o que faz dele também um "menino do cinco". O encontro desses dois mundos se faz pelo anseio por um "objeto": um filhote de cachorro.

A solidão, de ambos, pode ser a causa dessa injusta disputa. Num apartamento cheio de brinquedos e vazio de atenção afetuosa, é no encontro com o cachorro que o menino branco encontrará (ou pensará ter encontrado) uma felicidade. O menino negro, por outro lado, vendo sua única felicidade sendo tomada, procurará – por vários meios – reaver o seu pequeno cachorro.

Há elementos na construção do filme que apontam para essa solidão, apresentada pelos dois meninos: a pouca, e quase nula, existência de cores vivas (retirando o verde vivo da camiseta do menino negro e o vermelho do boneco do menino branco); a ausência de uma figura feminina – culturalmente associada ao cuidado e proteção - e o descaso dos que estão próximos.

Em um lado, o pai que prefere se envolver com livros e com fones nos ouvidos; no outro, os companheiros que preferem trocar o "bem" do colega por dinheiro, e, até mesmo, lhe viram as costas, sem escutar seus argumentos e mágoas. Em ambos, há falta de comunicação clara e efetiva.

DivisãoÉ uma luta de classes. Os diretores podem não ter querido, de forma clara, apontar para esse antagonismo social, porém, é esse o tom que podemos perceber: uma classe dominante, possuidora de tudo – e devemos frisar: nunca satisfeita.

A visão, tanto de um lado como do outro, nos é passada pelo jogo de câmera (do menino branco e do negro), demonstrando, assim, a divisão entre esses dois mundos estranhamente distantes e próximos.

Se pensamos que podemos esperar de crianças atitudes altruístas e bondosas, "Menino do Cinco" desconstrói essa falsa expectativa, seja pela atuação apática – aparentemente marca presente no menino branco – ou mesmo pelo final assombroso que esse personagem dá ao pequeno cachorro.

O filme é bom. Mesmo contando uma história que poderia ser tida como corriqueira ou trivial, inova em seus elementos que fazem o espectador se prender ao enredo. A sutileza com que destrói paradigmas e conceitos é extraordinária. Aos poucos tomamos consciência de aspectos, postos no curta, que não havíamos percebido na primeira olhada.

O desfecho do curta é sua continuidade: quem possui tirando de quem nada tem; quem nada tem lutando para possuir. É uma eterna corrida de gato e rato.

* Texto produzido por aluno da Oficina de Crítica Cinematográfica do 2º Olhar de Cinema.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.