
Dizer que Os Inquilinos Os Incomodados que se Mudem, de Sérgio Bianchi, é o filme mais sereno deste grande provocador do cinema nacional é uma "grande bobagem". Quem afirma é o próprio cineasta ponta-grossense, há mais de 40 anos radicado em São Paulo, em entrevista concedida à Gazeta do Povo, na última terça-feira. Ele esteve em Curitiba, onde morou na juventude, para divulgar o longa, que estreia hoje no Unibanco Arteplex.
Diante de um filme com grafia bem diversa de suas obras anteriores, como Cronicamente Inviável (1999) e Quanto Vale ou É Por Quilo? (2004), filmes-panfleto, a serviço de uma ideia, muitos críticos viram uma calma incomum onde o cineasta vê apenas um modo novo de expor, ainda causticamente, os descalabros da sociedade brasileira.
"As obsessões são as mesmas, a diferença é que este filme conta uma história, tem um roteiro fechado, não havia a possibilidade de fazê-lo com algo que eu sempre gostei de fazer, que se pode chamar de distúrbio de linguagem, de panfletarismo, enfim, várias linguagens interferindo no filme", explica.
Elenco
De fato. É contando uma história, centrada principalmente no trabalho de um belo elenco, que Bianchi volta a cutucar o imobilismo da sociedade brasileira ao transpor para as telas, em roteiro assinado em coautoria com Beatriz Bracher (premiado no Festival do Rio 2009), um conto de Vagner Giovani Ferrer, escrito como tarefa de classe do Curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), em 2002.
"Fui muito mais cuidadoso com os atores do que nos outros filmes, em que o personagem não tinha uma personalidade, mas simbolizava uma ideia. Nesse filme, eu cuidei até dos pequenos papéis", conta.
A direção de atores lhe permitiu construir um filme com uma narrativa que cresce em suspense e expõe a ferida social sob o ponto de vista do protagonista Valter (Marat Descartes, prêmio Shell de melhor ator em 2006 pela peça Primeiro Amor), um pai de família, que trabalha de dia, estuda à noite e cria com a esposa (Ana Carbatti) dois filhos pequenos na Brasilândia, periferia paulista, bairro próximo a uma favela paulistana.
Sua paz é interrompida com a mudança para a casa ao lado de três jovens violentos e agressivos. "Quis tratar a história em um nível pessoal", diz Bianchi, que vai revelando a paranoia de Valter diante da ameaça representada pelos inquilinos.
Sobram farpas até para o protagonista, que não rompe seu imobilismo (típico da sociedade brasileira) nem diante desta invasão, em um filme que não faz julgamentos explícitos, ao mesmo tempo que deixa entrever o olhar implacável deste cineasta sobre toda a realidade ao redor.
Mas Bianchi defende seu personagem à sua maneira, é claro. "Covardes também são gente. Ele é um pouco machista, um pouco ciumento, é boa gente, quer saber dos vizinhos, não quer descer socialmente, mas é um cara normal, que quer os pequenos prazeres da vida", diz.
Pessimismo
A tensão na casa de Valter se alterna a momentos de reflexão em sala de aula, onde o personagem pensa sobre questões de classe com colegas como o vivido por Caio Blat, cujas gírias de mano soam estranhas a quem está acostumado a ver o moço em papéis classe média, instigados pela professora interpretada por Cássia Kiss.
A escola é um dos espaços onde Bianchi deixa escapar um certo panfletarismo. Na maior parte do tempo, no entanto, o modo de filmar não faz julgamentos e deixa que os personagens resolvam as situações conforme seu nível de compreensão delas. Mas não se engane. A visão brilhante mas pessimista de Sérgio Bianchi sobre a realidade brasileira está ali, intacta, neste filme que trata do apartheid social, da opressão e da intolerância, em mais um trabalho de sua cinematografia (reunida recentemente em uma caixa pela Versátil) que não aponta soluções.
"Não tenho as soluções e nem a obrigação de tê-las, senão, viraria líder político e faria uma revolução. Mas acho que isso também é uma característica da minha personalidade provocadora. Eu gosto muito das contradições. Do óbvio também. Sabe aquele óbvio que nunca se fala?", conclui o cineasta. GGG1/2




