
Getúlio pode ter sido rodado em sete semanas, entre os meses de junho e julho do ano passado, mas foram necessários sete anos para que o longa-metragem saísse do papel e chegasse às telas. O filme, que estreia hoje nos cinemas do país, marca a transição do diretor carioca João Jardim (de Janela da Alma e Lixo Extraordinário) do documentário para o cinema de ficção. Por mais que, na raiz do projeto, esteja uma história real, uma das mais dramáticas na trajetória política do Brasil no século 20.
Em entrevista à Gazeta do Povo, concedida por telefone, do Rio de Janeiro, Jardim conta que não houve um momento específico em que "resolveu fazer um filme sobre Getúlio Vargas". O interesse pela vida do presidente sempre existiu, alimentado por muitas leituras feitas ao longo dos anos. "Mas o que realmente me atraiu foi a possibilidade de contar o que aconteceu naqueles 19 dias."
O período ao qual o cineasta se refere é o que separa o momento do atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, no filme vivido por Alexandre Borges, e o fatídico 24 de agosto de 1954, dia do suicídio de Getúlio, interpretado por Tony Ramos.
A tentativa de assassinato resultou na morte do major da Aeronáutica Rubens Vaz, integrante de um grupo de jovens oficiais que se dispuseram a proteger Lacerda das ameaças que vinha sofrendo por sua oposição a Vargas. Atingido de raspão em um dos pés, o jornalista, então candidato pela União Democrática Nacional (UDN) a uma vaga na Câmara Federal, usou o ocorrido em uma campanha feroz junto à opinião pública e às forças armadas pela derrubada do presidente.
Pesquisa
Jardim conta que o roteiro do filme, que teve pelo menos 20 revisões, foi resultado de um "exaustivo" trabalho de pesquisa. Além da leitura de vários livros, muitos deles publicados à época do suicídio, especial atenção foi dada a artigos de jornal, revistas e entrevistas com pessoas que participaram daqueles eventos de agosto de 1954, muitos deles reunidos no acervo da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. "Foi um período longo, mais de dois anos. Com certeza a leitura mais relevante foram os dois diários escritos por Getúlio entre 1930 e 1942. Ali Getúlio revela sua alma, sua forma de pensar."
O primeiro tratamento do roteiro nasceu de uma decupagem jornalística feita pela corroteirista Teresa Frota, na qual ela organizou os acontecimentos mais relevantes daqueles 19 dias, e que conduziram ao desfecho trágico. Em seguida, George Moura (roteirista do filme Linha de Passe e da minissérie Amores Roubados) se juntou ao projeto, leu os mesmos livros e entrevistas, e apontou novos caminhos dramáticos para uma história que deveria funcionar como dramaturgia cinematográfica. "O filme não poderia se sustentar apenas na fidelidade histórica. Tinha de funcionar como narrativa."
Boa parte das cenas de Getúlio foi rodada nas locações onde os fatos realmente ocorreram e o acesso ao Palácio do Catete, então residência presidencial e sede do governo, foi liberado. "Foi muito importante ter filmado ali, onde as coisas aconteceram. Trouxe emoção. Até fizemos uma réplica da arma com a qual Getúlio se matou, uma Colt 32, mas acabamos conseguindo permissão para usar a original. A reprodução da cena da morte é fidedigna, foi rodada no quarto dele, na cama onde ele dormia, sobre o mesmo colchão", diz Jardim.
Grande parte do mobiliário original do hoje Museu da República foi utilizada, exceto uma peça ou outra, como as cadeiras, que já não suportam o peso do tempo, e tiveram de ser reproduzidas.




