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Biografia

Os últimos dias de Tolstói

Norte-americano reconstitui o fim da vida do escritor russo a partir de diários pessoais

Que forma de consagração falta a um escritor que teve seu talento reconhecido desde os primeiros livros e jamais contestado? Em se tratando do russo Leon Tolstói, um caso raro de autor cuja obra foi sempre valorizada, os últimos anos de vida trouxeram uma situação patética. Ele passou a ser seguido por homens e mulheres que o viam como um profeta cristão e devotavam-lhe uma adoração religiosa. Os toltoístas, como se autodenominavam estes seguidores fanáticos, não eram leitores – ao contrário, consideravam a literatura de Tolstói algo menor. O que contava para eles eram os comentários que fazia sobre o sentido da vida e o caminho espiritual. O próprio Tolstói aceitava e cultivava o movimento enquanto tentava aplacar suas angústias e dúvidas com uma abordagem espiritual que o distanciava da literatura e de outros assuntos que, nessa fase da vida, entendia como supérfluos. Em A Última Estação, o americano Jay Parini descreve os últimos meses de vida do autor de Guerra e Paz e Anna Karenina a partir dos diários de alguns de seus seguidores, da filha Sasha (que também era uma "tolstoista"), da mulher dele Sonia Andrêievna, e do próprio Tolstói. O quadro final é irônico. Que um homem de 82 anos e saúde muito frágil julgasse ser necessário fugir de casa, sem destino certo, para ficar longe da esposa que discordava de seus pontos de vista é um indicativo de algo não ia muito bem na cabeça dele. Sonia foi a companheira de Tolstói por quase 50 anos e tinha verdadeira adoração por ele: amava seus livros e teve um papel importante ao manuscrever os capítulos antes de enviá-los aos editores – ninguém mais entendia a letra dele.

Mas os anos passaram e Tolstói, que nasceu nobre, rico e angustiado, passou a buscar consolo na espiritualidade (ele não aceitava nenhum religião estabelecida). Pregou a castidade e um socialismo informal, que o obrigava a abrir mão dos direitos autorais de seus livros. Sonia Andrêievna queria garantir que o dinheiro da venda dos romances ficasse com seus 13 filhos e não aceitava a adoração dos seguidores, que viam seu marido como um semideus.

Em A Última Estação, não há um único personagem que não critique Sonia – ela é descrita como um demônio por quase todos os personagens (a única exceção é o jovem secretário de Tolstói, Va­­lentin Bulgakov, que defende a es­­posa do patrão e, como ela, valoriza a obra literária dele). Os fatos relatados por todos eles não justificam as críticas à Sônia, o que dá a impressão de que a causa do antagonismo estava na resistência dela à idéia do marido ser santificado em vida. Mas Tolstói (que havia sido um amante vigoroso, segundo os relatos dela), não vê mais razão para ter uma esposa, muito menos uma esposa que discorda do mundo esotérico que ele criou em torno de si. Por isso foge e vai ao encontro de uma morte patética. Hospedado no quartinho do chefe da pequena estação de trem de Astapovo porque não consegue mais seguir viajando, cercado por seus fanáticos seguidores, definha até a morte, enquanto a imprensa russa acompanha do lado de fora o desenlace da vida de seu herói nacional.

Jay Parine reúne os relatos dos vários diários e tenta não acrescentar detalhes fictícios. Mesmo assim, o tom romanceado causa certa estranheza. Em entrevistas posteriores ao lançamento do livro, Parine garantiu que se limitou a fazer uma colagem coerente dos relatos encontrados nos diários. O resultado é uma leitura agradável e uma história absurda, que mostra que mesmo os gênios podem se tornar patéticos quando cercados pelo fanatismo. GGG

Serviço: A Última Estação. Jay Parini, Record, 412 págs., R$ 49.

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