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Audiovisual

Ousadia e contemporaneidade

Mostra de Cinema de Tiradentes revela produções inéditas que se diferenciam pela inovação estética. Festival também discute a produção contemporânea do país

Praça principal da cidade de Tiradentes se transforma em sala de exibição a céu aberto durante o festival de cinema | Divulgação
Praça principal da cidade de Tiradentes se transforma em sala de exibição a céu aberto durante o festival de cinema (Foto: Divulgação)

Tiradentes (MG) - Nas raras noites sem chuva, a praça principal da histórica cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, se transforma em um cinema sem teto nem paredes, onde diariamente é exibida boa parte dos 99 curtas selecionados para a 13.ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que se realiza até o próximo sábado (30).

Ali, o público de Belo Horizonte e arredores une-se aos habitantes do pequeno município, jornalistas, cineastas e cães vira-latas para assistir em clima de festa a curtas, digamos, mais "digeríveis" ao ar livre, junto com um refrigerante ou uma cervejinha. Aqueles mais densos ou experimentais, que exigem a penumbra de uma caixa preta para serem mais bem compreendidos, são exibidos no Cine-Tenda, uma grande sala de cinema desmontável erguida somente em tempos de mostra.

Quando o aguaceiro não dá trégua, o jeito é realocar os filmes da praça para o Cine-Tenda, onde também são exibidos os 29 longas-metragens desta edição do evento – sete deles reunidos na Mostra Aurora, um dos segmentos mais interessantes em Tiradentes por apresentar produções inéditas de diretores em início de percurso, que serão premiadas pelo Júri da Crítica e o Júri Jovem.

Percurso, aliás, parece se consolidar como uma das palavras-chave desta que é a terceira edição da mostra Aurora. Dois filmes de estreantes em longas-metragens com propostas completamente diversas, mas que dialogam ao abordar deslocamentos, viagens e procuras, foram os primeiros a ser apresentados: o documentário Terras (2009), da carioca Maya Da-Rin, na segunda-feira (25), e a surpreendente ficção de quatro diretores cearenses Estrada para Ythaca, no dia seguinte (leia matérias abaixo).

O Paraná tem dois representantes na Mostra Olhares, seção que traz longas premiados ou que já tiveram boa recepção em festivais no Brasil e no exterior: Corpos Celestes, de Marcos Jorge e Fernando Severo, que será exibido amanhã, e Os Inquilinos, do ponta-grossense radicado em São Paulo Sergio Bianchi, apresentado no último sábado.

Uma característica que torna a Mostra de Tiradentes um dos espaços privilegiados de discussão sobre a produção cinematográfica brasileira é a realização diária de debates entre o público e os cineastas, com a presença de um mediador e um crítico convidado – que faz sua avaliação sobre o filme em alto e bom som.

Documentário

Terras, da estreante em longas Maya Da-Rin, é um registro sensível da vida das populações que habitam as cidades de Letícia, na Colômbia, e Tabatinga, no Brasil, que formam uma espécie de ilha urbana cercada pela floresta amazônica. Se a intenção inicial do filme era discutir a noção de fronteira a partir de uma região exemplar como esta, onde as fronteiras entre Brasil, Colômbia e Peru se confundem, a diretora teve que se adaptar prontamente aos pontos de vista inesperados dos personagens que ia encontrando em sua busca pelo filme.

Integrantes da tribo tucuna, por exemplo, visitam seus parentes caminhando pela floresta sem se preocupar com as fronteiras criadas pelos brancos. Não ter o direito de ir e vir numa região em que, de uma canoa no Rio Solimões, é possível apontar com o dedo onde está Brasil, Colômbia e Peru, é um contra-senso para uma população cuja identidade extrapola mapas oficiais.

Enquanto conduz a equipe de filmagem por uma trilha, a indígena Basília explica que dividir os territórios, como fazem os brancos, seria como cortar a própria mãe em pedaços. "A gente não corta a mãe e dá um braço para você, uma perna para ele", diz, cortando com o facão pedaços de uma planta como se encenasse a fala. "A terra deixa de ser um bem, uma posse, e passa a ter um sentido ligado à espiritualidade", explica Maya Da-Rin no debate sobre o filme, realizado na terça-feira.

Como a índia, taxistas e outros personagens conversam com uma câmera que os acompanha em seu fluxo constante entre fronteiras. A equipe de filmagem transita entre a floresta, a feira, os barcos e até uma boate em que a letra da música eletrônica que sacoleja os casais na pista de dança pode soar hilária e absurda para alguns ("minha namorada parece sabe o quê?/uma capivara"). "O filme tem o grande mérito de transitar livremente em uma região onde ele quer discutir justamente as fronteiras", analisa o crítico de cinema Eduardo Valente.

A repórter viajou a convite do evento.

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