
José Castello sabe que os caminhos da literatura são misteriosos e imprevisíveis. Há algum tempo, começou a elaborar um ensaio sobre a relação dos jovens escritores com os seus pais, e o modo como a literatura se interpõe entre eles.
Mas, como quase sempre acontece com Castello (e com muitos escritores), o projeto inicial se transformou. Em vez de um ensaio, surgiu outro livro que, agora, quatro anos depois de escrito e reescrito, chega às livrarias: Ribamar.
O nome do romance, editado pela Bertrand Brasil, faz uma referência ao pai de Castello, José Ribamar Martins Castello Branco (1906-1982).
O escritor reconhece que há elementos biográficos. "Trabalhei com muitas recordações de infância e de juventude. Parte de minha formação está, de fato, nesse livro", admite. Mas o escritor afirma que em nenhum momento pretendeu reconstituir o passado, nem acertar contas com o seu pai. Muito menos restaurar a verdade.
"Usei o passado como matéria de ficção. Fazemos o mesmo: reinventamos nosso passado, de modo que ele se torne suportável e nos ajude a sustentar um projeto de existência", diz.
Castello define Ribamar, antes de tudo, como uma viagem interior. "Não exatamente pelo meu passado, ou pela minha memória, ou pela minha história, mas pela maneira como eu os fantasiei, imaginei e construí", afirma.
O narrador, apresentado como José (o primeiro nome do escritor), apresenta o texto (o corpo do romance), que é dirigido a seu pai, apesar de o destinatário já estar morto da mesma maneira como o escritor checo Franz Kafka (1883-1924) escreveu Carta ao Pai e entregou livro, não ao pai, mas à mãe.
A música é outro elemento que estrutura o livro, a começar pela capa, onde está reproduzida a partitura de "Cala a Boca", canção de ninar que o pai de Castello cantava para ele adormecer.
"Essa partitura só me surgiu no meio do caminho, quando eu já tinha muito material escrito, mas ainda não sabia como organizá-lo. Um dia, minha mãe, Lucy, começou a cantarolar essa canção. Anotei letra e música e repassei a meu irmão, Marcos, que toca violão. Ele transcreveu a canção em uma partitura", conta.
Foi a partir da transcrição matemática da composição que Castello encontrou a espinha dorsal do livro. Cada capítulo corresponde a uma nota da partitura (e há, de fato, um fragmento do pentagrama no início de cada seção).
"Posso dizer que uma melodia toca no fundo de Ribamar, embora ninguém a ouça. Mas eu a ouvia todo o tempo. Até hoje não me livrei dela, até hoje a Cala a Boca toca em minha cabeça", confessa.
Serviço: Ribamar, de José Castello. Bertrand Brasil, 280 págs., R$ 37.



