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Você entra e não sabe para que lado seguir. Escolha o que quiser e adentre no grande labirinto que é a 29.ª Bienal, em São Paulo. Este é, aliás, um dos grandes acertos da curadoria formada por Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos. O projeto expográfico da arquiteta Marta Bogéa faz o visitante caminhar sinuosamente pelo gigantesco pavilhão do Parque Ibirapuera e, de repente, mudar de rota, criando, assim, inúmeras relações entre as 850 obras de 159 artistas.

Visitar a mostra durante a semana, como fez esta reportagem na última terça-feira, é in­­teragir não só com as obras, mas com um público animado, formado por crianças e adolescentes de escolas que visitam o espaço divididas em pequenos grupos orientados por jovens monitores.

Quando ouvir gritos, você logo saberá que os estudantes se depararam com o voo circular dos três urubus que fazem parte da obra "Bandeira Branca", de Nuno Ramos, soltos em um espaço delimitado por telas, que ocupa todo o vão central do prédio. Na maior parte do tempo, no entanto, as aves de rapina ficam imóveis sobre grandes torres negras, já bem sujas pelas fezes, com caixas de som acopladas tocando músicas em alto e bom som.

É possível associar a obra, que apela para o espetacular, com o atual panorama político do Brasil, às vésperas das eleições. Outras obras tratam do mesmo assunto em uma bienal que se propõe a discutir a relação entre arte e política.

A começar pelo título Há Sempre um Copo de Mar para o Homem Navegar, que reproduz verso do poema "A Invenção de Orfeu", do alagoano Jorge de Lima. São chocantes, por exemplo, os desenhos da série Inimigos, autorretratos do artista Gil Vicente executando personalidades públicas como George Bush, Elizabeth II, Ariel Sharon, o Papa Bento XVI, Fernando Henrique Cardoso e Lula. O polêmico recifense também exibe a série Suíte Safada, em uma salinha "para maiores", formada por desenhos eróticos em nanquim sobre páginas de livro.

Há até uma obra que provoca celeuma sem nem ter sido vista. Censurada pelo Ministério Público Federal por fazer apologia à candidata Dilma Roussef, "A Alma Nunca Pensa Sem Imagem", do artista argentino Roberto Jacoby, está coberta por papel pardo. Em manifesto afixado numa parede, seu autor escreve em maiúsculas: "Obra censurada pela curadoria covarde".

Seguindo uma tendência de mostras internacionais de arte, predominam na Bienal vídeos e fotografias – entre estas últimas, a série de retratos de travestis Sim e Não, da artista curitibana Juliana Stein. Mas surge um problema logo quando o público se senta para ver os primeiros filmes. É difícil assistir na íntegra, por exemplo, em meio a uma mostra de tais proporções, o belo documentário D’Est (1993), de 107 minutos, em que a cineasta belga Chantal Ackerman registra sua travessia pelo Leste Europeu, entre a Alemanha e a Rússia, no momento em que o bloco soviético desmoronava. Na sala ao lado, está a instalação multimídia "D’Est, au Bord de la Fiction", uma abstração feita com 25 canais sincronizados, que a autora criou a partir do longa-metragem.

A maioria das fotografias e vídeos é uma espécie de denúncia. Impossível não se constranger com os mendigos que imploram por esmolas nas sete telas que integram o vídeo "Pedintes", da turca Kutlig Ataman. Mas, há obras mais sutis e, portanto, mais pungentes, como é o caso do experimental Fantasmas de Nabua, do cineasta tailandês Apitchapong Weerasethakul. Ao filmar arruaceiros jogando futebol com uma bola de fogo nas ruas escuras de Nabua, província que nos anos 60 sofreu forte repressão do governo no combate aos comunistas, o vencedor da Palma de Outro em Cannes deste ano faz arte ao trabalhar as luzes noturnas das ruas que vêm dos postes, do fogo, dos raios e dos carros.

Tente. Talvez as crianças deixem você entrar no ninho criado por Hélio Oiticica, nos anos 50, com a finalidade de apontar para o potencial emancipatório do lazer. "Os Ninhos", parte do projeto Crelazer, são células vazias onde é possível se aninhar, em um momento íntimo, e experimentar "a concentração do lazer". A série história da Bienal recupera obras de outros importantes nomes da arte contemporânea do país como "Arroz com Feijão" (1979-2007), de Ana Maria Maiolino; uma sala com obras de artistas que pertenceram ao polêmico Grupo Rex, de São Paulo, como Wesley Duke Lee, que morreu no mês passado, e Geraldo de Barros; e outra sala com obras relacionadas à ditadura militar como o Projeto Cédula, de Cildo Meireles, e "Seja Marginal, Seja Herói", de Hélio Oiticica.

Para dar um tempo (foto 1)

Uma construção inacabada, com tijolos aparentes, conduzem o público da Bienal a um labirinto semelhante às bibliotecas descritas em seus contos pelo argentino Jorge Luis Borges. É o terreiro Longe Daqui, Aqui Mesmo, nomeado com o título de uma peça de Antonio Bivar, que guarda em seu âmago uma biblioteca onde se chega após se arriscar por várias portas – uma delas, ironicamente, decorada com a capa do livro Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll.

As referências literárias, criadas pelos "arquitetos" do terreiro, os artistas Marilá Dardot e Fábio Morais, estão nos pisos, paredes e portas dos inúmeros cômodos da casa. É possível, por exemplo, jogar O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar, no tapete. Quando se acha, por fim, a biblioteca, há livros doados pelos demais artistas da Bienal, em resposta à pergunta "Com que livro você construiria sua casa?", e pelo público. Pegue um e descanse, por alguns momentos, das artes plásticas em uma das espreguiçadeiras no terraço.

No ventre do minotauro (foto 2)

Henrique Oliveira, de 36 anos, é o autor de uma das obras mais interessantes da Bienal, "A Origem do Terceiro Mundo", parte da série Tapumes, formada por grandes estruturas feitas com madeira e PVC reciclados que o jovem artista de Ourinhos, Minas Gerais, já levou para a Rice Gallery, em Houston (2009); na Vallois, em Paris (2008); e no Centro Cultural São Paulo (2006). A instalação mistura pintura, escultura e arquitetura ao reunir tapumes de formas e tonalidades variadas para criar uma espécie de enorme corpo invasor que se une às paredes e colunas de um dos vãos do prédio. Para ir de um salão a outro, o público atravessa o interior da obra, como se fizesse parte de uma endoscopia pelo ventre de um estranho animal.

Passeio por entre campos de cor (foto 3)

Uma das artistas contemporâneas mais renomadas do país, a paulistana Amélia Toledo, de 84 anos, que em 2007 realizou retrospectiva de 60 anos no Museu Oscar Niemeyer, ganha espaço prestigiado na Bienal. Quatro obras de períodos diferentes revelam a ludicidade do projeto artístico desta experimentadora que iniciou sua trajetória como aluna de Anita Malfatti, nos anos 1930.

Em "Campos de Cor", de 1969, o público se sente livre para passear por telas de juta penduradas pelo teto banhando-se em cores. Em "Glu-Glu", produzida um ano antes, ela cria esculturas transparentes com vidro soprado, água e sabão. Em "Medusa", de 1970, líquidos coloridos percorrem um emaranhado de fios de plásticos. E, por fim, "Impulsos", obra de 2007, convida a um descanso nos bancos de concreto e pedra de jaspe.

Serviço: 29ª Bienal, no Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3), (11) 5576-7600. Entrada gratuita. De segunda a quarta-feira, das 9 às 19 horas; quinta e sexta-feira, das 9 às 22 horas; sábado e domingo, das 9 às 19 horas (última entrada até uma hora antes do fechamento do pavilhão). Até 12 de dezembro. Mais informações no site www.29bienal.org.br

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