
Basta passar os olhos pelas páginas dos jornais para constatar que estamos diante de uma mutação antropológica. O descontrole da biotecnologia, a predominância do espírito bélico e a militarização da sociedade, o consumo elevado a um patamar patológico e as drásticas mudanças culturais provocadas pela globalização certamente contribuíram para a criação de um novo ser que deve mudar o futuro da forma que o imaginávamos. Foi pensando nisso que o filósofo Adauto Novaes propôs a 24 intelectuais brasileiros e estrangeiros que refletissem sobre o tema O Futuro Não É Mais o Que Era. Há três meses, reunidos em Tiradentes, Minas Gerais, eles participaram de um brainstorm de nove horas de duração para imaginar como seria o futuro.
Desse caldeirão saíram ideias que apontam para a estrada da distopia e rendem agora um seminário, que o Sesc Vila Mariana, em São Paulo, abriga a partir do dia 16 de agosto (e o Museu de Arte Moderna do Rio, a partir do dia 20). O professor de História da Arte Jorge Coli, por exemplo, acha que "atravessamos uma fase conservadora e acomodada", apesar da explosão da pornografia na internet. Quais serão as consequências futuras? Uma sexualidade mais livre ou mais perversa? O filósofo Jean-Pierre Dupuy concluiu que "vivemos agora sob a sombra de catástrofes futuras." Elas talvez venham a provocar o desaparecimento da espécie, segundo o pensador francês. De nossa civilização, "a única da História que não se orienta por nenhum valor transcendente", como assina a filósofa Olgária Matos, talvez não sobre mesmo nenhum vestígio. De qualquer modo, o futuro ainda não chegou e vale discutir sobre ele.
Palestras
O seminário Mutações: O Futuro Não É Mais o Que Era terá 24 palestras de grandes nomes do cenário nacional e internacional. Entre os convidados do encontro, que segue até outubro, há veteranos como o cientista político e ex-ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet, mas também representantes da nova geração, como o professor de Filosofia da Universidade de Paris-Nanterre, Elie During, que vai falar sobre o "retrofuturismo", fenômeno que marca o cinema, a arte, a moda e, especialmente, a literatura, desde que William Gibson e Bruce Sterling (em The Difference Engine, publicado nos anos 1990) criaram o termo "steampunk" para afirmar que o computador foi inventado na era vitoriana, cruzando o motor a vapor e a calculadora de Babbage. During vai analisar como o retrofuturismo está, na verdade, nos falando do presente retroprojetado.
"O retrofuturismo é um dos grandes problemas que surgem com o fim das utopias", observa o organizador do seminário Adauto Novaes, que há oito anos realiza em parceria com o Sesc o ciclo de conferências Mutações, dedicado a investigações filosóficas sobre o século em que vivemos. O último foi realizado no ano passado e adotava como guia o pensamento do suprematista russo Malevitch, que considerava a preguiça superior ao trabalho, isso há um século, antes que todos trabalhassem mais que o necessário nos dias que correm. Elogio à Preguiça, o livro com as conclusões do ciclo (que tem basicamente os mesmos participantes deste seminário), será lançado no dia de abertura do seminário O Futuro Não É Mais o Que Era.



