
Gramado - Em uma espécie de elaboração do luto pelo pai assassinado, dois diretores de países diferentes saíram pelo mundo em busca de pistas para montar um quebra-cabeça que lhes permitisse obter respostas às próprias indagações pessoais.
O resultado são dois documentários interessantes apresentados no 38.° Festival de Cinema de Gramado. Em Mi Vida con Carlos, o chileno German Berger faz uma emocionada e poética carta aberta ao pai, Carlos Berger, assassinado pela ditadura de Pinochet, ao ir ao encontro dos familiares que se dispersaram pelo mundo como tentativa de superar a tragédia.
A carioca Flávia Castro também faz de seu Diário de uma Busca uma tentativa de elucidar a morte de seu pai, Celso Afonso de Castro, morto aos 41 anos, em Porto Alegre, no que a polícia afirma ter sido um assalto empreendido por ele e um companheiro ao apartamento de um alemão. A história, até hoje encoberta em mistério, é apenas o mote que leva a diretora e roteirista a recuperar a trajetória de sua família pelos países em que viveu exilada durante a ditadura militar (Chile, Argentina e a França), onde os pais, membros do Partido Operário Comunista, participaram dos movimentos de guerrilha.
Além da busca pelo pai, há outros pontos de convergência entre os filmes de Flávia e Berger. Por exemplo, a passagem da família dela pelo Chile, onde o pai de Berger lutou contra a ditadura, e as idas e vindas pela América Latina que permitem ao espectador compreender essas histórias pessoais no contexto do continente no período. "Quis contar uma pequena história dentro da grande história", conta Flávia.
Flávia viu o filme de Berger antes de finalizá-lo e, diante de uma cena em que o diretor chora pelo pai, morto quando ele tinha apenas um ano de idade, decide que também pode revelar emoção em frente às telas. "São filmes totalmente irmãos", conta a diretora, que vai buscar nas memórias da infância elementos para criar o seu filme.
Como em A Culpa É de Fidel, em que Julie Gavras, filha do cineasta Costa-Gavras ficcionaliza sua visão contrariada de criança sobre o envolvimento dos pais com o comunismo, Flávia relembra as infindáveis reuniões dos membros do partido em sua casa .
Além da coincidência temática entre os dois documentários, esta edição do festival de Gramado revela similaridades entre as produções dos países latino-americanos. Os filmes procuram revelar a vida miúda, cotidiana, em seus aspectos mais íntimos, mas inseridos em um contexto cultural ou político.
Colombiano existencial
É o caso do que filme que talvez venha a se consolidar como um dos melhores desta edição do festival, o colombiano El Vuelco del Cangrejo, de Oscar Ruiz Navia, que segue na contramão da produção atual daquele país, mais voltada à temática que cerca a violência e o terrorismo das Farc. O filme ganhou no Festival de Berlim deste ano o prêmio de melhor filme da crítica. Com ritmo lento e uma belíssima fotografia que faz referência declarada aos cineastas Andrei Tarkosvski e Abbas Kiarostami, o longa-metragem faz uma instigante relação entre ficção e documentário ao mergulhar na vida dos moradores negros de um povoado do litoral colombiano a partir da chegada de um "estrangeiro", um branco que passa dias ali à espera de um barco para partir.
Não se fica sabendo quem é aquele personagem e por que deseja partir. Ele funciona, na verdade, como uma porta de acesso do espectador à vida naquele povoado dividido entre se modernizar e continuar intocado pelos males da "civilização" .
O título do longa, algo como O Buraco do Caranguejo, é uma metáfora seja para o povoado, seja para a condição do protagonista, estancado ali. A sua figura torna o filme existencial, ao mesmo tempo em que seu olhar sobre aquele povo, com quem cria relações afetivas, permite ao espectador conhecer elementos daquela cultura, em cenas totalmente documentais, na quais os moradores encenam diante das câmeras sua própria vida.
A repórter viajou a convite do Festival de Gramado.




