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Patrimônio cultural

Pesquisador descobre o 1º hino de Curitiba, de 1928

Achado musical de 1928 era uma ode ao Movimento Paranista. Obra foi restaurada e será executada pela Camerata Antiqua de Curitiba

Imagem da partitura “surrada” do hino composto por Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956). A obra será executada nos próximos dias 28 e 29 de março pela Camerata Antiqua de Curitiba. | Reprodução
Imagem da partitura “surrada” do hino composto por Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956). A obra será executada nos próximos dias 28 e 29 de março pela Camerata Antiqua de Curitiba. (Foto: Reprodução)

Foi meio na sorte: a partitura surrada dividia dois cadernos recheados de documentos e anotações históricas, entregues ao pesquisador Gehad Hajar por Gedeão Martins (1923-2012), ex-maestro da Orquestra Filarmônica da Universidade Federal do Paraná. “Ele me passou por debaixo da porta. Às vezes as coisas caem na minha mão”, explica Gehad, também proprietário do Teatro Cine Gloriáh.

Na folha de papel “em péssimo estado” constavam letra e música do que se considera o primeiro hino de Curitiba, composto em 1928 por Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956). Restaurada pelo maestro Jaime Zenamon, a obra será executada nos próximos dias 28 e 29 de março pela Camerata Antiqua de Curitiba, como parte das comemorações do aniversário de 322 anos da cidade.

O achado musical (de 2012) é de uma importância histórica retumbante. Nos anos 1920 e 1930, o Hymno de Curityba era uma ode à cidade. Executado após eventos culturais e políticos, servia como fio condutor para a legitimação do Movimento Paranista – capitaneado por Romário Martins (1874-1948) e uma trupe animada que contava com João Turin, Zaco Paraná, Benedito Nicolau dos Santos, Laertes Munhoz, Emiliano Perneta e Nilo Cairo.

O Paranismo surgiu na esteira do sucesso econômico da erva-mate para exaltar os feitos políticos e culturais do estado, e foi interrompido pelo “modernismo” do interventor Manoel Ribas e também pela unificação do poder no país com a Revolução de 1930 que, entre outros feitos totalitaristas, extinguiu os hinos municipais.

Ao mesmo tempo, a descoberta de uma obra tão importante após 87 anos revela o recorrente descaso pelo patrimônio cultural. “É difícil localizar a música paranaense porque ela não está consolidada. Não há senso identitário musical. Não existe um livro chamado A Música do Paraná”, brada Gehad. Confirmando a teoria: o hino atual (“Cidade linda e amorosa/ Da terra de Guairacá”) foi oficializado somente em 1998.

Curityba, faceira,/ Brilha e fulge radiosa/ N’um sorriso do céu sempre azul/ Curityba do meu Paraná/ Outro encanto no mundo não há

Trecho do 1º hino de Curitiba.

Mentira

Benedito Nicolau dos Santos – coautor de A Vovozinha, primeira opereta infantil do Brasil, escrita por Emiliano Perneta em 1909 e musicada em 1917 –foi considerado pelo poeta Mário de Andrade como “o maior musicólogo do país.” O maestro compunha também maxixes e polcas, dois dos estilos fundadores da música popular brasileira. O Hymno de Curitiba, que originalmente fazia parte da ópera Marumby, é uma peça de caráter popular, com letra edificante. E também “mentirosa”: “Curityba faceira/Brilha e fulge radiosa/N’um sorriso do céu sempre azul”, diz a ode. A peça provavelmente foi composta no inverno, época em que o céu normalmente está mesmo “de brigadeiro”. “Mas a primeira apresentação, ao que parece, foi em dezembro do mesmo ano”, explica Gehad. “E todos sabem que Curitiba era um grande banhado, porque chove muito.”

Em tempos de protestos na sacada e pedidos de intervenção militar, a descoberta também levanta questões patrióticas. “Após a ditadura, passamos a associar tudo que é cívico ao militarismo. Precisamos separar as duas coisas”, diz Hajar, paranista temporão. “O que nos falta é o modernismo do Oswald de Andrade, uma cultura de exportação do que é nosso.”

Após os concertos do próximo fim de semana, a ideia é distribuir as partituras restauradas a colégios de Curitiba. Para que o patrimônio cultural circule, e exista de fato.

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