
O artista plástico natural de Joinville (SC) Juarez Machado quer entrar na velhice bebendo vinho, ouvindo jazz e olhando para um certo tom de vermelho que ele descobriu em uma parede de Pompeia, na Itália. "A cor mais linda que já vi." Pretende morrer rodeado de quadros, exatamente como vive hoje. Em sua casa, no Rio de Janeiro, guarda 333 telas o que está pintando no momento fica na parede ao pé da cama. A França, onde vive há mais de 20 anos como artista prestigiado, é sua inspiração temática, assim como já foi Curitiba, onde viveu parte de sua juventude, e o Rio.
A exposição Châteaux Bordeaux, que abre na próxima quarta-feira (dia 2), na Simões de Assis Galeria de Arte, é fruto de inúmeras visitas que realizou aos castelos produtores de vinho da região de Bordeaux entre o ano passado e este. A mostra comemora os 25 anos da galeria, que tem Juarez Machado entre seus artistas mais antigos. Confira trechos da longa entrevista que o artista concedeu à Gazeta do Povo, por telefone, de sua casa no Rio de Janeiro.
Em 1988, você participou de uma exposição coletiva sobre os Castelos Bourdeux, no Centre Georges Pompidou.
Cada artista deveria pintar um aspecto da região de Bordeaux. Eu pintei os interiores dos castelos. Era uma iniciativa organizada pelo governo porque na época havia uma grande briga entre os vinhos de Bordeaux, bons e caros, com os da Califórnia, bons e não tão caros. A exposição rodou o mundo por quatro anos para mostrar que os vinhos da França são caros porque tem história, tapeçarias, príncipes, duendes, enfim, toda uma tradição.
Foi ali que nasceu seu interesse pelo tema?
Sim. Fui muito privilegiado naquele período porque pude me hospedar por três meses em castelos. Andava com um mordomo atrás de mim, de luvas brancas, carregando minhas tintas, com uma bandeja de prata com taça de cristal com meu monograma gravado e cheia de vinho. Não queria que meus amigos vissem essa mordomia, seria arrogância, mas queria que meus inimigos vissem! Como era época da colheita, pude ver as pessoas trabalhando nos vinhedos, ia de castelo em castelo, dormindo e comendo. Foi uma experiência única, um amor muito bem vivido que resolvi reviver.
O tema parece interessá-lo muito.
Quando fiz a primeira mostra, beber vinho ainda não tinha virado moda no Brasil. Agora todo mundo entende do assunto, gira o copo, nunca vi tantas revistas especializadas. Mas é uma coisa muito metida à besta. Na França, essa cultura do vinho existe há dois mil anos, os meus amigos franceses entendem e falam sobre isso de modo natural, sem nenhuma arrogância.
Você parece conhecer muito de vinho.
Nesses mais de 20 anos que vivo em Paris tenho uma relação intensa com o vinho, mas sou apenas um curioso. Quando falo que não entendo de vinho é porque não consigo distinguir toda a palheta de aromas, coisa que sei fazer na pintura. Sei dizer, por exemplo, quanto tem de amarelo dentro daquele azul. Pela minha vivência. O ato de pintar, cozinhar, degustar um vinho ou cheirar um bom perfume está muito ligado. É misturando cheiros, aromas, cores e sabores que se chega a um resultado. Quando estou pintando, misturo as tintas para fazer um quadro. E todas as noites, faço meu jantar.
Você escreve no catálogo da exposição que espera entrar na velhice cercado de arte e degustando um bom vinho, falando dos amores vividos com um velho amigo. Essas pinturas parecem trazer essas idealizações.
Quero morrer bebendo um bom champagne, escutando jazz e olhando para a cor vermelha que eu vi numa parede em Pompeia. Quando o Vesúvio entrou em erupção, a parede tinha sido recém-pintada. A tinta fresca cozinhou junto com as cinzas do vulcão e originou o vermelho mais bonito que conheço. Parecido com o do tomate, que é um vermelho que não está na pele, transparente, está embaixo. Não é como a maçã, que tem o vermelho na casca.
E quanto à arte?
Tenho mania de brincar de casinha, já contei 37 casas na minha vida. Mas casa para mim não é meu lar, meu cantinho. É minha pátria onde eu estiver. Porque nela estão meus quadros, meus livros, minhas músicas. A casa é um ventre materno que você mesmo cria para se abrigar. Nunca moro numa residência, mas num ateliê, que é parte mais importante da casa. Então, quando falo que quero quadros enfeitando minha velhice, quero que seja como já faço hoje. Tenho 333 quadros meus pendurados na minha casa aqui no Rio de Janeiro, nenhum com moldura, que é para me dar espaço. Posso guardá-los atrás do guarda-roupa, debaixo da cama e pendurá-los na parede de acordo com a minha vontade. É como uma caixa de joias: você não usa todas ao meu tempo. Eu faço isso: troco, monto, desmonto.
Por muito tempo, você trabalhou fazendo cenografia na televisão, quando ela ainda estava começando.
Posso dizer sem pretensão e com toda a pretensão do mundo que sou pai e mãe da tevê brasileira. Quem inventou a televisão no Brasil foi o pessoal do circo e do rádio. A nobreza do teatro no Brasil na época achava que ela era um veículo menor. Quando eu cheguei a Curitiba, em 1961, para estudar na Escola de Belas Artes, busquei um emprego como cenógrafo na TV Paraná Canal 6. Havia um acento exagerado de rádio, do picadeiro, mas eu sentia que a tevê tinha outro código, tudo era apertadinho, tinha de caber na telinha. Eu criava cenários e desenhos na tentativa de dar mais dinâmica à imobilidade do cantor de rádio.
Há 30 anos, você tinha um quadro no Fantástico. Fale da experiência.
Quando me formei, vim morar no Rio de Janeiro. Fazia uma coluna de humor para o Jornal do Brasil e acabei me envolvendo com o desenho do humor feito por nomes como o Millôr, o Fortuna, o Ziraldo, o Jaguar. Nesse período, a TV Globo me chamou para ser cenógrafo. Fui fazer os cenários de programas Faça Amor, Não Faça Guerra, Balança mas não Cai, entre outros. Aí inventaram o Fantástico. Fiz a primeira e a segunda abertura do programa, antes do Hans Donner, e os cenários dos musicais. Por muitos anos, fiz um quadro como mímico o que não sou, mas emprestei meu corpo para dar animação ao meu desenho. Desenhava num fundo preto com giz branco, montava em uma bicicleta e saia andando, colhia uma flor que dava para uma moça, tudo de forma artesanal. Era um modo de provar que a tevê não era como o rádio, não precisava falar. Pelo gesto eu podia me comunicar com todos.
De alguma forma isso influenciou em sua pintura?
Foi muito enriquecedor porque fazia esse quadro de forma muito vampiresca, para aplicar na pintura, que é o centro do meu universo. Na minha pintura tudo é teatral, a luz que existe é a de estúdio de tevê, não é a luz do sol, as mulheres que pinto são muitos teatrais. O gesto é o que conta, não o olhar, por isso, meus personagens não têm olhos. Quando cheguei ao Rio, fui trabalhar com arquitetos, fazia perspectiva para o Oscar Niemeyer, o Lucio Costa. Na pintura, sou muito preocupado com a perspectiva, as cores, a cenografia. Em uma exposição, me comporto como um diretor de cinema quero contar uma história. Por isso, busco temas, crio personagens, roupa, música, cenário. Os quadros têm unidades, começo, meio e fim, como num filme.
Serviço:
Juarez Machado Châteaux Bordeaux. Simões de Assis Galeria de Arte (Al. D. Pedro II, 155), (41) 3232-2315. Abertura dia 2 de setembro. Segunda a sábado, das 10 às 19 horas; e domingo, das 14 às 18 horas. Até o dia 10 de outubro. Assista ao quadro que Juarez Machado fazia no Fantástico no site. Clique aqui para assistir.




