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Festival de Veneza

"Plastic City" é uma verdadeira miscelânea

Foi um grande fiasco a estréia de "Plastic City", um dos dois filmes ambientados no Brasil e que concorrem ao Leão de Ouro - o outro é "Birdwatchers", do ítalo-argentino Marco Bechis, programado para amanhã (1º). "Plastic City" é dirigido pelo chinês Yu Lik-Wai, roteirizado por Fernando Bonassi e pelo próprio diretor, tem atores brasileiros no elenco (Tainá Müller, Phelippe Haagensen, Antonio Petrin, Milhem Cortaz, Alexandre Borges, Claudio Jaborandy), co-produtores brasileiros (os irmãos Gullane), é falado em chinês, português e inglês, ambientado em São Paulo, Santos, Amazônia e fala sobre uma gangue chinesa de produtos piratas que opera no País.

O filme tem a marca de muitas culturas e talvez de nenhuma. Seu cartão de visitas é a imagem de um tigre de Bengala que aparece em plena floresta amazônica. De certa forma, é também o logotipo do projeto - aquele que define sua alma multinacional, ou, se preferirem, a falta de personalidade própria.

Os dois papéis principais são de chineses. Yuda (Anthony Wong) é um velho gângster, talvez em fase descendente na carreira, e Kirin (Joe Odagiri), seu filho, e possível substituto. Ambos operam no Bairro da Liberdade e são cercados de brasileiros corruptos - policiais, políticos, empregados do porto, etc. O filme caminha entre tons realísticos e fantasmagóricos; depois toma a direção de uma fábula moral, que desemboca num esoterismo de que não se envergonharia Paulo Coelho. Com tal miscelânea, não se estranha que o tal tigre tenha aparecido, porque acaba valendo mesmo qualquer coisa em projeto desse tipo de concepção.

No entanto, como sempre, nas entrevistas, o que se ouve são grandes frases e intenções melhores ainda. O diretor Yu Lik-Wai disse que pretendera fazer uma fábula da sociedade contemporânea, e que esta não poderia ser realista. Além disso, precisara compor um espaço entre duas culturas diferentes - a chinesa e a brasileira - e que o filme seria o resultado desse esforço sincrético. E por que o Brasil? "Por causa das semelhanças com a China; ambos são países emergentes, com muitos problemas, mas enorme potencialidade no mundo global". O roteirista Fernando Bonassi ajuntou que "Plastic City" não se tratava de um filme de gângster qualquer, "mas um filme de gângsteres do século 21, com uma promiscuidade muito grande entre o crime e o poder político".

Intenções à parte, o problema é que o filme não funciona Trata-se de uma operação multinacional, como tantas co-produções que se fazem hoje, e que terminam sem rosto definido. São Paulo é, de fato, uma cidade multicultural. Isso não quer dizer que a melhor maneira de retratá-la exclua um ponto de vista claro, ou peça uma narrativa caótica e aleatória. Até que no começo, "Plastic City" parece que vai engrenar; pouco a pouco, perde rumo. Não consegue encontrar desfecho. Uma lástima.

O número de títulos italianos em concurso, quatro, foi considerado excessivo e patriótico por parte de alguns observadores estrangeiros. Dois deles já foram apresentados: "Un Giorno Perfetto" e "Il Papà di Giovanna" e não se pode dizer que tenham causado comoção. Não são maus filmes, diga-se, mas com tanta badalação e paixões nacionalistas exacerbadas, esperava-se mais. "Un Giorno Perfetto" (Um Dia Perfeito), de Ferzan Ozpetek (diretor nascido na Turquia, radicado na Itália) é um título irônico para designar a jornada de uma operadora de telemarketing, separada de um marido lunático e com dois filhos pequenos para criar. O filme adota uma narrativa em flashback. Começa com a chegada da polícia a um edifício de onde se ouviram disparos de arma de fogo e recua 24 horas para contar o que sucedeu. A preocupação de Ozpetek é criar personagens críveis como Emma (Isabella Ferrari) e Antonio (Valerio Mastrandea), escapando dos estereótipos fáceis. Existe atração, ciúme e repulsão entre os ex-esposos. Essa combinação de desejo, ressentimento e senso de posse pode gerar uma situação explosiva A tensão interna se vê no filme, mas apenas em momentos isolados. Não consegue envolver o a platéia.

Já "Il Papa di Giovanna" (O Pai de Giovanna) traz o cineasta Pupi Avati em seu estilo - meio retrô, flertando com o academicismo, ênfase nos grandes intérpretes. No caso, Silvio Orlando, ator cômico mas de bons dotes dramáticos, um dos mais amados no Itália. Ele faz o pai da adolescente que assassina uma colega de escola por uma questão de ciúmes. O filme é centrado no papel de Orlando, um professor modesto, casado com uma mulher belíssima (Francesca Neri) e super protetor em relação à filha. O filme tem certa beleza, e é carregado nas costas pela atuação comovente de Orlando. Mas fica prejudicado pela falta de ousadia Tudo cheira discretamente a naftalina.

Dos 21 concorrentes ao Leão de Ouro, nove já foram apresentados. Nenhum deles parece ter forças para chegar ao prêmio principal. A seleção até aqui apresentada parece apenas mediana, para usar um termo delicado. Sempre há esperança de que melhore e o filé mignon esteja por vir.

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