
Rio de Janeiro Estética à parte, falando de mercado, de número de espectadores, Palmas de Ouro não parecem dizer muito aos filmes que a conquistam. Pelo menos foi o que Ken Loach explicou, ao saber que levou quase um ano para que o circuito brasileiro cedesse vaga a Ventos da Liberdade (The Wind that Shakes the Barley), épico que lhe rendeu a cobiçada láurea do Festival de Cannes, em 2006. Estrelada por Cillian Murphy, a saga dos homens que lutaram pela emancipação da Irlanda contra as violentas tropas inglesas chamadas de Black and Tan está chegando agora aos cinemas brasileiros.
Atualmente em cartaz nos EUA, o filme do veterano realizador inglês, ferrenho defensor do marxismo, tem uma carreira pífia. Mas, pelo que sugere nesta conversa, Loach não esperava filas quilométricas. Apenas reflexões.
Em Cannes, só Tom Hanks e Bruce Willis foram mais paparicados do que o senhor. Mas, na prática, ter ganho a Palma de Ouro melhorou sua vida profissional? Ken Loach Aquela passagem pelo festival foi uma ocasião singular para mim. Claro que a vitória foi um reconhecimento. Aliás, um reconhecimento pelo qual eu não esperava. Mas o resultado de Cannes não fez grande diferença para mim na prática. Não levou mais gente ao cinema para me ver. É óbvio que eu gosto quando meus filmes são vistos. Mas você não pode comprometer uma obra cinematográfica à espera de maiores platéias. O cinema comercial tem de se preocupar com expectativas. O cinema que eu faço, não.
Uma frase sua desta época, "Se tivermos a verdade sobre o passado, teremos a verdade sobre o futuro", serviu de munição a quem diz que o senhor é um cineasta antiquado e que Ventos da Liberdade segue uma estética engessada. Procede? Ventos da Liberdadete tocou? Em que pontos? Que questões ele fez você refletir? Essas são as perguntas clássicas essenciais ao entendimento de qualquer dramaturgia. O aspecto mais importante da compreensão de um filme é entender como ele pode te modificar. Depois de entender isso, aí você julga o estilo. Para mim, estilo é o que dá sustentação ao conteúdo de uma obra artística. E conteúdo é o que me interessa.
O retrato das tropas inglesas do filme é o mais violento possível. Isso partiu das pesquisas históricas ou é uma tomada de posição sua? Sempre me perguntam se este é um filme antibritânico. Não é. Ventos da Liberdade é um filme crítico em relação a uma postura política indevida da Inglaterra. E tampouco é um retrato de brutalidades individuais daqueles ingleses. Aqueles homens faziam parte de uma tropa de ocupação. Aprendi com a História que toda tropa de ocupação age da mesma maneira, ou seja, opera em obediência a uma metodologia militar de desmobilização de massas. No elenco, eu trabalhei com ex-militares irlandeses, com experiência em combate, e esse foi um dado que eles confirmaram: as lealdades patrióticas costumam ser horizontais. Cada país, na guerra, vira um mundo particular.
Os atores ex-militares ajudaram na reconstituição da luta contra o Black and Tan? Eles treinaram o núcleo irlandês do filme. O núcleo britânico conversou com consultores militares com experiência de campo na Irlanda. Foi uma forma de buscar mais verossimilhança nas ações, sem que isso ferisse a abordagem ficcional. O que pedi a eles era que agissem como soldados profissionais e não que simulassem, como os atores normais fazem. Só uma ação realista daria a idéia de conjunto que rege uma tropa invasora.
Seu conterrâneo, Stephen Frears, diretor de A Rainha, quer levar às telas a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, executado por engano durante uma operação antiterror da Scotland Yard, em 2005. O senhor, que se manifestou furiosamente sobre o episódio, não se interessou em filmá-lo? A morte de Jean Charles expôs o que a histeria antiterror pode gerar. É um assunto delicado. Não sei se poderia abordá-lo já.
These Times, filme que o senhor monta agora sobre imigrantes do Leste Europeu na Inglaterra, fala de luta de classes. O senhor parece não abrir mão de Marx. Qual é a pertinência dele no contexto neoliberal? Sem Marx não se entende política. Nem economia. Ele é essencial na medida em que historiou a formação social da política. Ele não é uma resposta. Mas é um meio de entender o que se passa.



