
Ao entrar no palco da Sala São Paulo, na noite de terça-feira, o cineasta Peter Greenaway estava todo de preto, das meias à camisa fechada até o último botão. Como se estivesse de luto.
Nos primeiros minutos da conferência que apresentou na capital paulista, como parte do ciclo Fronteiras do Pensamento, ele anunciou que o defunto era o cinema.
Dizer que "o cinema está morto" é só uma frase de efeito (hoje em dia, aliás, uma frase de pouco efeito, pois toda hora surge alguém anunciando a morte de alguma coisa). Ao longo de sua fala na capital paulista, o diretor britânico de filmes como Afogando em Números e O Livro de Cabeceira foi explicando suas teorias e a tal morte suposta ficou um pouco mais fácil de ser assimilada.
Greenaway escolheu ser pintor na juventude e estudou artes plásticas em Londres. Seu interesse pelo cinema veio depois, mas agora, aos 70 anos, sempre que fala em público se apresenta como um homem formado em artes e isso é fundamental para entender suas ideias.
"Segundo [o escritor e semiólogo italiano] Umberto Eco, o mundo como o conhecemos foi criado por 8 mil anos de textos. Foi criado por mestres e algumas mestras de letras", disse o cineasta. "Agora, chegou o momento desses mestres de letras cederem lugar aos mestres das imagens."
Quando afirma então que o cinema está morto, ele se refere a um formato, à experiência de se sentar numa sala escura diante de uma tela de projeção, sem se mexer por 120 minutos. "Isso não é natural. Não existem quadros [frames] na natureza. E você só fica parado tanto tempo assim quando está dormindo."
Para aproveitar as "oportunidades maravilhosas" que se delineiam para o futuro as aspas são do conferencista , o cinema precisa se libertar de quatro "tiranias", quatro elementos que o aprisionam: a tela, o texto, o ator e a câmera.
Sendo um homem de imagens, Greenaway diz para quem quiser ouvir que não dá a mínima para contar histórias e argumenta que isso não é trabalho do cinema. "Não acho que a história seja importante. Quem aqui na plateia vai ao cinema e, com 20 minutos de filme, já sabe o que vai acontecer?", questionou. "As histórias são sempre as mesmas."
Ele usou dois exemplos. O compositor austríaco Arnold Schoenberg tirou a harmonia da música e o artista russo Wassily Kandinsky tirou a figuração da pintura. Greenaway, por sua vez, quer tirar a narrativa do cinema. "A pintura não é narrativa. Por que o cinema não pode ser uma experiência cinematográfica?"
Artes plásticas
Tal postura afastou o cineasta dos filmes e o carregou para as artes plásticas. Alguns argumentos e experimentos de Greenaway estão muito próximos de trabalhos de videoarte, sobretudo pela ausência de narrativa.
Ele mostrou o projeto que desenvolveu para uma feira de design na Itália em que sete telas de cinema, todas com dimensões grandes e formatos diferentes, são usadas simultaneamente com informações distintas. São imagens sem pé nem cabeça (mas com trilha sonora) que criam um efeito visual.
A reclamação mais frequente relacionada a esse tipo de experiência tem a ver com o excesso de informações. Argumento que ele rebate citando a rede de tevê CNN e o filme Guerra nas Estrelas (o primeiro da saga Star Wars, de 1977), de George Lucas.
"No formato da CNN, copiado por todo o mundo, você tem duas e às vezes mais telas simultâneas, mais uma barra com quatro tipos de notícias diferentes, em textos que se alternam. E ninguém parece incomodado com isso", diz. "Se você assistir ao Guerra nas Estrelas hoje, vai ver que ele é entediante. Extremamente lento. Nós aprendemos a lidar com o formato da CNN muito rápido."
No projeto "Nine Classic Paintings Revisited", ou nove pinturas clássicas revisitadas, Greenaway usa elementos como luz e som, além de pequenos efeitos de computação, para "animar" obras-primas.
Ele conseguiu fazer chover no Ronda Noturna, de Rembrandt, e colocou janelas como se alguém estivesse espiando a Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Agora, de acordo com o diretor, o Papa Bento 16 quer que ele trabalhe com a Capela Sistina, de Michelangelo, enquanto os Estados Unidos pediram para que conte a história norte-americana com imagens sobre a Estátua da Liberdade.
Interatividade
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