Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Fronteiras do Pensamento

Por um cinema livre de histórias

Peter Greenaway fala sobre uma arte mais interessada em imagens do que em textos durante conferência na capital paulista

Peter Greenaway: de luto por causa da “morte do cinema” | Greg Salibian/Divulgação
Peter Greenaway: de luto por causa da “morte do cinema” (Foto: Greg Salibian/Divulgação)

Ao entrar no palco da Sala São Paulo, na noite de terça-feira, o cineasta Peter Greenaway estava todo de preto, das meias à camisa fechada até o último botão. Como se estivesse de luto.

Nos primeiros minutos da conferência que apresentou na capital paulista, como parte do ciclo Fronteiras do Pensamento, ele anunciou que o defunto era o cinema.

Dizer que "o cinema está morto" é só uma frase de efeito (hoje em dia, aliás, uma frase de pouco efeito, pois toda hora surge alguém anunciando a morte de alguma coisa). Ao longo de sua fala na capital paulista, o diretor britânico de filmes como Afogando em Números e O Livro de Cabeceira foi explicando suas teorias e a tal morte suposta ficou um pouco mais fácil de ser assimilada.

Greenaway escolheu ser pintor na juventude e estudou artes plásticas em Londres. Seu interesse pelo cinema veio depois, mas agora, aos 70 anos, sempre que fala em público se apresenta como um homem formado em artes e isso é fundamental para entender suas ideias.

"Segundo [o escritor e semiólogo italiano] Umberto Eco, o mundo como o conhecemos foi criado por 8 mil anos de textos. Foi criado por mestres – e algumas mestras – de letras", disse o cineasta. "Agora, chegou o momento desses mestres de letras cederem lugar aos mestres das imagens."

Quando afirma então que o cinema está morto, ele se refere a um formato, à experiência de se sentar numa sala escura diante de uma tela de projeção, sem se mexer por 120 minutos. "Isso não é natural. Não existem quadros [frames] na natureza. E você só fica parado tanto tempo assim quando está dormindo."

Para aproveitar as "oportunidades maravilhosas" que se delineiam para o futuro – as aspas são do conferencista –, o cinema precisa se libertar de quatro "tiranias", quatro elementos que o aprisionam: a tela, o texto, o ator e a câmera.

Sendo um homem de imagens, Greenaway diz para quem quiser ouvir que não dá a mínima para contar histórias e argumenta que isso não é trabalho do cinema. "Não acho que a história seja importante. Quem aqui na plateia vai ao cinema e, com 20 minutos de filme, já sabe o que vai acontecer?", questionou. "As histórias são sempre as mesmas."

Ele usou dois exemplos. O compositor austríaco Arnold Schoenberg tirou a harmonia da música e o artista russo Wassily Kandinsky tirou a figuração da pintura. Greenaway, por sua vez, quer tirar a narrativa do cinema. "A pintura não é narrativa. Por que o cinema não pode ser uma experiência cinematográfica?"

Artes plásticas

Tal postura afastou o cineasta dos filmes e o carregou para as artes plásticas. Alguns argumentos e experimentos de Greenaway estão muito próximos de trabalhos de videoarte, sobretudo pela ausência de narrativa.

Ele mostrou o projeto que desenvolveu para uma feira de design na Itália em que sete telas de cinema, todas com dimensões grandes e formatos diferentes, são usadas simultaneamente com informações distintas. São imagens sem pé nem cabeça (mas com trilha sonora) que criam um efeito visual.

A reclamação mais frequente relacionada a esse tipo de experiência tem a ver com o excesso de informações. Argumento que ele rebate citando a rede de tevê CNN e o filme Guerra nas Estrelas (o primeiro da saga Star Wars, de 1977), de George Lucas.

"No formato da CNN, copiado por todo o mundo, você tem duas e às vezes mais telas simultâneas, mais uma barra com quatro tipos de notícias diferentes, em textos que se alternam. E ninguém parece incomodado com isso", diz. "Se você assistir ao Guerra nas Estrelas hoje, vai ver que ele é entediante. Extremamente lento. Nós aprendemos a lidar com o formato da CNN muito rápido."

No projeto "Nine Classic Paintings Revisited", ou nove pinturas clássicas revisitadas, Greenaway usa elementos como luz e som, além de pequenos efeitos de computação, para "animar" obras-primas.

Ele conseguiu fazer chover no Ronda Noturna, de Rembrandt, e colocou janelas como se alguém estivesse espiando a Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Agora, de acordo com o diretor, o Papa Bento 16 quer que ele trabalhe com a Capela Sistina, de Michelangelo, enquanto os Estados Unidos pediram para que conte a história norte-americana com imagens sobre a Estátua da Liberdade.

Interatividade

Qual a sua opinião sobre a defesa de Peter Greenaway de um cinema sem narrativas?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.