
Um dos principais críticos do atual governo do estado, o senador Roberto Requião (PMDB), via Twitter, chamou de "maracutaia" a aprovação da lei das Organizações Sociais (OS) na Assembleia Legislativa do Paraná, mas disse que o modelo era razoável em serviços "secundários" como orquestras e museus. A posição do ex-governador pode ter relação direta com o fato de, durante toda a sua gestão, o Museu Oscar Niemeyer (MON) ter sido administrado por uma Organização Social de Interesse Público (Oscip). Dirigida, aliás, pela sua esposa, Maristela Requião.
Mas a manifestação traz outras questões para o debate. Quais seriam os riscos que serviços essenciais como a saúde correm, quando terceirizados para OSs, que a cultura não corre? Trata-se de considerar o modelo adequado para as particularidades de casos como o do MON, do Balé e da Orquestra? Ou estes serviçosão considerados menos importantes para a tutela do Estado?
Controle
É por esse caminho que segue a opinião do professor do doutorado em administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Belmiro Valverde. "OSs são formas não ortodoxas de o Estado prestar serviços em áreas que não são típicas dele. A Orquestra Sinfônica, por exemplo, é uma instituição que pode ou não ser gerida pelo Estado. Não é uma função típica", diz.
Valverde afirma que tratar a terceirização como uma privatização é um exagero. "É um modelo que já vem desde o Bresser [ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, do governo de Fernando Henrique Cardoso], e que existe em vários lugares do mundo. No Paraná, foi transformada em um problema muito sério sem ter muita razão para isso", diz. "Não tem a linearidade que se está colocando."
O professor diz que o problema fundamental é a fiscalização. As OSs são entidades do terceiro setor, sem fins lucrativos, qualificadas pelo Poder Executivo para prestar serviços, por meio de contrato, que são de responsabilidade do Estado. São de natureza privada e têm mais flexibilidade em seus processos administrativos e agilidade na gestão. Mas também são submetidas a obrigações como a transparência e sujeição a controles externos. "O Estado tem todos os instrumentos para controlar. Se não fizer, aí é outra coisa", diz Valverde.
No entanto, a rapidez com que a proposta de lei foi aprovada na Assembleia não permitiu que fossem discutidos os detalhes do funcionamento das OSs, como explica o professor da UFPR e pesquisador da área de gestão pública Christian Mendez Alcantara. "Me parece que não há esclarecimento e o governo do estado não se prestou a ir ao debate", diz.
"Esse é um problema das instituições híbridas. O termo da parceria tem que ser muito claro em relação a valores e contrapartidas, ao que a OS vai fazer, a qual o tempo da parceria e que ela seja com uma instituição que a sociedade já conheça como atuante na área", explica Alcântara. "Há uma tradição de cunho patrimonialista no Brasil uma confusão entre público e privado. Essas parcerias não são necessariamente negativas, mas tem que ficar bem definido o papel de cada um. E é importante que população possa fiscalizar, que o contrato de gestão conste na internet com linguagem que qualquer cidadão possa interpretar", diz.
O "rolo compressor" do governo sobre a questão também está na base da crítica da oposição na Assembleia. É o caso do deputado Péricles de Mello (PT), que diz ter se posicionado contra a lei porque achou a forma da votação equivocada. "É preciso mais transparência e poder de fiscalização. Mas, excepcionalmente, na área de cultura, se houver regramento transparente e total controle da sociedade civil, pode ser aplicado", diz.
Particularidades
O MON, a OSP e o Balé são exceções por suas especificidades, que exigem flexibilidade para que sejam administrados de acordo com suas demandas. Um exemplo é a aplicação de concursos para bailarinos e músicos. "O artista não pode se encaixar numa lei de trabalho normal. São profissões de desgaste rápido", diz o maestro titular da OSP, Osvaldo Ferreira. A questão diz mais respeito aos bailarinos, pela natureza da atividade, mas a própria estabilidade dos músicos concursados não é ponto pacífico.
Esta foi uma das questões centrais apontadas pelo diretor artístico e regente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Fabio Mechetti. Para ele, trata-se de um "conforto nocivo à busca constante de qualidade que caracteriza uma grande orquestra", conforme disse em entrevista à Gazeta do Povo por ocasião do concerto que o grupo fez em Curitiba em setembro.
O caso mineiro é elogiado pelo maestro Osvaldo Colarusso, que foi regente da OSP de 1985 a 1998. "Eles respeitaram demais os músicos antigos", diz o maestro, para quem o modelo OS pode ser uma boa solução para a Sinfônica. "Acho que poderia levar a uma estabilidade artística e a um nível mais alto. Mas seria muito legal que o pessoal que pretende implantar o modelo se assessorasse de pessoas que entendem da área. Que não peguem simplesmente burocratas ou qualquer coisa assim. Que eles perguntem para quem entende de música", diz Colarusso sobre uma questão que inquieta o meio musical, onde há a impressão de descaso do governador Beto Richa em relação à OSP.



