
Não poderia haver lugar mais significativo para Jair Mendes realizar sua mostra retrospectiva de 50 anos de trajetória artística do que o Museu Guido Viaro (1897-1971). Afinal, como muitos outros artistas de sua geração, ele foi aluno do artista ítalo-brasileiro e, em 1975, tornaria-se diretor por 15 anos do antigo espaço dedicado a seu acervo, no Largo da Ordem.
Quem vai à Pequena Retrospectiva pode, por curiosidade, visitar primeiro o acervo de Viaro, no primeiro andar, e então verificar se as 36 telas e os 200 desenhos selecionados por Mendes para compor a mostra, juntamente com a curadora Rosemeire Odahara Graça, refletem a herança do mestre e amigo. "Ele sempre nos dizia: renegue seu mestre! Mas é inegável, sempre fica uma coisinha e outra", diz o artista.
Enxuta, a retrospectiva permite ao visitante lançar um olhar atento sobre os principais momentos da longa caminhada artística de Mendes. "Na verdade, 51", ressalta o artista de 72 anos que, em 1959, realizou sua primeira exposição individual na Biblioteca Pública do Paraná. Com direito à texto de apresentação do professor Viaro, que, entre outras frases espirituosas, escreveu: "Conheço o Jair da escola; turbulento e persuasivo, diligente e gazeador, mas sempre entre os primeiros, dinamicamente rápido. Resumido e nem sempre correto no desenho...".
É daquele ano a pintura mais antiga desta retrospectiva, "Fábrica de Fita", uma paisagem que Mendes pintou de sua janela, na Rua Ubaldino do Amaral, em que retrata o prédio que hoje é o Instituto Goethe. Curitiba é, aliás, onipresente nas obras deste paulista de São José do Rio Pardo, que chegou aqui com a família, em 1950. "É aqui que amo, que vivo, que respiro, que criei minha família. Meu interesse é universal, mas meu mundo mais íntimo está em Curitiba", diz.
Mas as figuras humanas são, desde os anos 60, o elemento central de sua obra. "Até aquele momento, não tínhamos comunicação com o mundo e, quando passaram a chegar informações sobre o que se produzia lá fora, começamos a sentir uma coceira", referindo-se aos jovens artistas curitibanos que formariam a chamada Geração 60.
Com a ditadura, as telas de Mendes ganharam tom contestatório, que lhe trouxe problemas (a ideia era justamente essa). Em 1972, exibiu uma via sacra em que Pôncio Pilatos era retratado como um coronel e Jesus como um camponês assassinado por um pelotão de fuzilamento. "No dia seguinte à abertura, todas as minhas obras tinham sumido", conta.
De uns anos para cá, o artista vive o que chama de momento de liberação. "Tirei um pouco os pés do chão e passei a pintar de um modo mais emocional, espiritual", diz, referindo-se às telas em que o desenho, que sempre foi a base de sua pintura, dá lugar a uma quase abstração. "Minha abstração não eliminou totalmente a figura. Minhas figuras estão ali, querendo sair. Digo que são meus fantasmas", conta.
Em todas as fases, no entanto, seus quadros feitos com tinta a óleo, com o tubo manuseado diretamente sobre a tela em uma pintura "que vai acontecendo" são muito coloridos. "Sempre fui um pintor da cor. Não tenho medo de usá-la, acredito que todas as cores podem conviver em harmonia, depende de saber colocá-las", diz Mendes.
Ao lado das telas mais recentes, estão mais de 200 desenhos em quatro álbuns que podem ser folheados pelo público. Um deles, nomeado pela curadora de "Zoomitologia", abriga aqueles de temática erótica e mitológica, entre eles, alguns em que mulheres nuas aparecem ao lado de animais uma destas personagens foi tema da exposição Carmela e o Lobisomem, de 1985, que Mendes realizou em Portugal e Espanha.
Serviço
Pequena Retrospectiva pinturas e desenhos de Jair Mendes. Museu Guido Viaro (R. XV de Novembro, 1.348), (41) 3018-6194. Terça a sábado das 14h às 18h. Entrada franca. Até 4 de julho.



