Sabe aquela imagem do cinema francês como algo feito por diretores com um discurso altamente intelectual, um estilo muito pessoal, que contam histórias que passam longe dos efeitos e truques favoritos de Hollywood? Guarde-a muito bem na sua memória - porque em breve, é só lá que ela deve existir, a se acreditar por uma reportagem publicada hoje pelo jornal inglês "The Guardian", "It's oui to rom-coms and non to art house as cinéphiles die out".
A correspondente do jornal em Paris, Angelique Chrisafis, traça uma reviravolta no panorama cinematográfico francês."A França terminou dramaticamente seu caso de amor com o auteur e a idéia do cineclube de arte que o inventou", relata Angelique. "A nação que criou a Nouvelle Vague e elevou diretores como Godard e Truffaut ao status de deuses não suporta mais nada que cheire a seriedade ou pretensão. A aversão do público por cineclubes tornou-se tão grande que um distribuidor chegou a dizer que a própria espécie francesa de cinéfilo - o espectador que ignora as campanhas de marketing e procura obras-primas intelectuais - está extinto".
As provas do óbito estariam nas bilheterias da França do ano passado. O francês deixou de homenagear Jean Renoir ou Louis Malle em mostras nestes cinemas "de arte" - cuja situação, segundo um outro artigo do Le Monde, está "catastrófica". Segundo a correspondente do "Guardian", o público também deixou de acreditar nos críticos de cinema franceses, "vistos como isolados em uma torre de celulóide de marfim, muito amigáveis com os diretores 'autores' e muito rápidos em recomendar os mesmos velhos e amargos e pensativos filmes, enquanto esnobavam sucessos como 'Amélie Poulain'", escrava Angelique.
A última vítima desta mudança, segundo a reportagem, é Bruno Dumont, um novo talento do cinema independente: ele ganhou o Grand Prix de Cannes com "Flandres", sobre jovens soldados franceses que vão lutar numa guerra não-identificada - mas atraiu apenas 80 mil espectadores dispostos a experimentar sua estética. "O público francês aparentemente concordou com 'The Hollywood Reporter', que definiu-o como "pretensioso até a medula',", diz a reportagem do "Guardian". Outra vítima: Benôit Jacquot. Seu filme "L´intouchable" faturou o prêmio de melhor atriz em Veneza. Mas na França, vendeu apenas 35 mil entradas - e foi tratado pela "Variety" como "um forte candidato ao filme de arte francês vazio do ano".
Ao mesmo tempo, os filmes mais comerciais estão fazendo boa carreira no país, onde 190 milhões de pessoas foram ao cinema em 2006. A França continua tendo um mercado interno que consegue resistir a Hollywood, como a Índia ou o Japão. Mas seus maiores sucesso estão se rivalizando com o cinema americano em matéria de roteiros simples, fáceis de serem entendidos, segundo a reportagem do "Guardian".
O filme francês de maior bilheteria no ano passado foi "Les Bronzés 3", cujo título já diz tudo, e vendeu 10 milhões de bilhetes. O diretor, aliás, foi Patrick Leconte, que já foi considerado uma grande esperança para continuar a gloriosa tradição do cinema de autor na França. Outros sucessos foram "Camping", uma celebração do hábito dos trabalhadores em acampar no país, e desenhos animados. "´Cinéfilos não mais existem na França'", admite o distribuidor Thomas Ordonneau.



