
Há alguns dias, na cidade catarinense de Chapecó, André Caliman levou as mãos à cabeça e pensou "putz, o que foi que eu fiz!?" depois de esmagar o laptop com seu carro, um Santana Quantum 1995. Seria o anúncio de uma tragédia, já que o computador guardava alguns de seus desenhos, notas, fotos e outros arquivos importantes para o quadrinista-viajante, que hoje encarnou uma espécie de Joe Sacco abrasileirado e vive por aí, a narrar histórias de suas próprias aventuras. Mas o deus das HQs estava de prontidão: o resultado do acidente, ufa, foi uma pequena rachadura na tela do computador.
Desde fevereiro, quando lançou Revolta, seu álbum "político", Caliman é convidado para divulgar o trabalho. Feiras literárias, eventos de quadrinhos, encontros geeks. Seja onde for, lá está ele, agora de bloquinho na mão. "Quando você tem o hábito de desenhar, é difícil parar assim, do nada", diz o artista de 27 anos. Causos interessantes que aconteceram em Ponta Grossa, por exemplo, se transformam em quadrinhos. Estes, garante, 100% não-ficção. "Há pensamentos meus também. O que não deixa de ser verdade", conta.
Em resumo, Caliman faz uma espécie de crônica em quadrinhos. Atualmente, no sugestivo site calimanviajando.blogspot.com.br, onde publica seus insights, há o relato do incidente com o laptop e citações a um "alojamento barato". Em outro, mais antigo, lemos a incursão do quadrinista em uma aldeia indígena, ao lado de alunos do primeiro ano de Ciências Sociais. Imagine. "Anoto histórias, dou saltos cronológicos. Não sou jornalista, não estou me prendendo a regras. O objetivo é criar uma HQ mais rápida e divertida", diz Caliman a graphic novel Revolta tem 20 capítulos e 160 páginas.
Novos olhares
Munido de curiosidade e pacto com o real, Caliman emula grandes nomes das HQs de não-ficção, como o canadense Guy Delisle e o jornalista e quadrinista Joe Sacco. O maltês-americano introduziu a reportagem em quadrinhos com Palestina, álbum em que descreve as experiências vistas e vividas na Faixa de Gaza no início dos anos 1990. "Esses caras procuram zonas de conflito para garimpar histórias. Quando comecei a fazer esse trabalho, pensei: será que vou ter assunto? E tem, demais", diz Caliman, que se surpreendeu, por exemplo, com os traços "coronelistas" da cidade de Caçador, em Santa Catarina.
Assim como o indiscutível Will Eisner (1917-2005), a narrativa gráfica de Caliman também tem traços autobiográficos. A começar por suas aparições nos quadrinhos, faceta que Eisner, que empresta o nome ao maior prêmio da área, fazia com discrição. "Quero colocar minha visão da história, acho que isso me aproxima do leitor. Porque, dependendo do assunto, posso me mostrar um ignorante. Quero que as pessoas leiam e tenham a noção de que eu não sabia aquilo. Por isso, e não por narcisismo, me incluo nas histórias", justifica.
Sua apreciação por obras autorais vem de longe. Caliman "descobriu" as HQs durante a mudança de São Paulo para Curitiba, aos 13 anos. Em meio à montanha de caixas, brilhou O Príncipe Valente, personagem dos anos 1930 de Hal Foster (1892-1982). "Comecei a copiar aquilo." Contrariando a lógica e a expectativa, Caliman, um indie dos traços, ainda faz questão de passar longe de HQs de super-heróis.



