
A pouco menos do que um mês e meio do Natal, a indústria cultural já está a todo vapor. Livros, CDs e DVDs sempre são opções interessantes de presentes, que não custam tão caro e podem dizer muito tanto sobre quem recebe quanto sobre quem dá.
Uma das grandes apostas da Universal Music neste ano é Redescobrir, título do álbum duplo e do DVD, que trazem na íntegra o show da cantora Maria Rita, gravado em agosto passado, no Credicard Hall, na capital paulista.
Redescobrir foi idealizado por Maria Rita e seu irmão João Marcello Bôscoli, em parceria com a Nívea, patrocinadora do projeto, como uma homenagem à cantora Elis Regina, no ano em que se completam 30 anos de sua morte.
Em entrevista à reportagem da Gazeta do Povo, concedida dias antes do show ser apresentado em Curitiba, no Guairão, no fim de setembro, Maria Rita disse que o espetáculo foi pensado "muito para fazer caber o amor, a saudade e o respeito de uma filha", do que propriamente um veículo para reafirmar seus dotes de intérprete.
Embora seja dona de uma bela voz, que sabe usar de maneira muito sua, em interpretações muitas vezes contidas, mas também emocionais, e até arrebatadas, a Maria Rita que se viu em Curitiba e se ouve e vê em Redescobrir é diferente daquela que conquistou o país ao longo dos dez anos transcorridos desde que iniciou sua carreira. Fica claro, já no início de show, que se trata de uma jornada emocional intensa tanto para ela quanto para o público, que vai também para vê-la cantando as canções do repertório da mãe, mas está lá, sobretudo, para matar as saudades de Elis.
De cara, em uma costura entre as canções "Imagem" (dos tempos do programa O Fino da Bossa, apresentado com o cantor Jair Rodrigues na década de 1960) e "Arrastão", clássico de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, Redescobrir evoca o início de estrelato de Elis, nos anos 1960. Tempos nos quais os braços da cantora gaúcha pareciam ter vida própria, dando sinais da dimensão do voo que iria alçar. Em seguida, vem um golpe certeiro: "Como Nossos Pais", música de Belchior incluída no show e no álbum Falso Brilhante (1976).
O segmento seguinte de Redescobrir é dedicado a canções que dialogam com a paixão que Elis tinha por seus ídolos: "Vida de Bailarina" é do repertório de Ângela Maria, cantora que imitava quando menina, no Rio Grande do Sul; "Bolero de Satã" foi gravada em dueto com Cauby Peixoto no disco Essa Mulher; e "Águas de Março", que dispensa apresentações, foi registrada no antológico LP Elis & Tom, fruto da colaboração irretocável entre a intérprete e Antônio Carlos Jobim.
Em seguida, vem uma bela interpretação de "Saudosa Maloca", na qual a cinematográfica e melancólica letra de Adoniran Barbosa ganha cor e movimento graças ao talento de Maria Rita para letras que dela exigem maior dramaticidade.
Em um dos segmentos mais intensos do show, logo após interpretar "O Bêbado e o Equilibrista", música de João Bosco e Aldir Blanc, que se transformou numa espécie de hino da Anistia, no fim dos anos 1970, Maria Rita parou para falar sobre a militância política da mãe. Desse bloco mais engajado do show fizeram parte as canções "Menino" escrita por Milton Nascimento em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado no dia 28 de março de 1968, num confronto com a Polícia Militar no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro e "Onze Fitas", composição de Fátima Guedes. Ambas integram o repertório dos históricos show e álbum Saudades do Brasil (1980).
Emoção
O ápice emocional de Redescobrir, no entanto, vem quando Maria Rita, depois de cantar a sensual "Tatuagem", de Chico Buarque e Ruy Guerra, confessou que, por muito tempo, não gostou de ouvir as gravações da mãe. Como tinha apenas 4 anos quando a mãe morreu, em 1982, Maria Rita teve de buscar, de várias maneiras, peças que fossem capazes de montar o quebra-cabeças que Elis Regina significava para ela. Duas canções do repertório da mãe, disse ela, a fazem se sentir mais próxima da mãe: "Essa Mulher", de Ana Terra e Joyce, "Se Eu Quiser Falar com Deus", composição de Gilberto Gil.
Por meio da pesquisa que fez para montar o repertório de Redescobrir, Maria Rita também resgatou, viu e reviu vídeos de shows e clipes. Isso talvez explique, ao lado da força genética, porque, em alguns momentos, ela parecia se confundir com a imagem da mãe. Em dois deles, especialmente, a voz, a linguagem corporal e as expressões faciais da filha trouxeram a mãe de volta ao palco do Guairão, onde Elis se apresentou algumas vezes em sua carreira. Nas interpretações de "Vou Deitar e Rolar" (de Baden Powell e Paulo César Pinheiro) e "Alô, Alô Marciano" (de Rita Lee), as semelhanças são particularmente assombrosas, mas distantes do que poderia ser considerado de mera imitação.
O último segmento do show, antes do bis, é dedicado ao grande Milton Nascimento, compositor e cantor mineiro (ainda que nascido no Rio de Janeiro) lançado por Elis e de quem a cantora se tornou amiga íntima. Maria Rita disse que não poderia deixar de reservar parte de Redescobrir a ele. "Ela dizia que se Deus tivesse voz, seria a de Milton Nascimento, e ele fala que só acredita que uma canção está pronta quando consegue ouvi-la na voz dela", contou Maria Rita. Dele e de Fernando Brant, cantou os clássicos "Morro Velho" e "Maria, Maria". GGG1/2
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