
Se alguém disser que o Brasil de 2009 é muito parecido com o do século 16, dos tempos do Descobrimento, não será um "palpite infeliz". Pelo contrário. As desigualdades sociais, que se insinuavam no passado, consolidaram-se. A discriminação racial, o desrespeito ao próximo (sobretudo se esse "próximo" for economicamente menos favorecido), o autoritarismo de coronéis mesmo os pós-modernos e o "flerte" do Estado com a iniciativa privada (ainda mais se o governante de plantão eventualmente estabelecer pontos de contato com algum negócio) são nós que parecem não-desatáveis. Daí a pertinência e o porquê da pergunta-título desta reportagem.
Há tempos que intelectuais se debruçam e tentam, continua e sistematicamente, responder a questão: "Que país é esse?" Na década de 1930, em especial, parecia obsessão debruçar-se sobre o assunto. Até os ficcionistas tentavam decifrar o que poderia ser o Brasil (basta ler Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros). Naquele contexto, surgiram os chamados intérpretes brasileiros. Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são os principais, unanimidades, reconhecidos por praticamente toda a comunidade acadêmica. E isso não é obra do acaso.
Freyre, por meio do monumental estudo Casa-Grande & Senzala (1933), praticamente provou que o negro teve (e tem) uma mais do que relevante importância nesse amálgama que é a sociedade brasileira e isso em um período em que ainda vigia uma mentalidade bastante preconceituosa em todo o país. Holanda concebeu a Teoria do Homem Cordial, até hoje aceita e difundida, uma das mais perfeitas traduções do nosso modus vivendi o que carimbou no livro Raízes do Brasil, de 1936, a etiqueta de clássico.
Uma lista de pensadores do Brasil não teria fim, e seria parcial e limitada como toda lista tende a ser. Mas, como listagens são necessárias, então enumera-se. De Padre Antonio Vieira a Florestan Fernandes, incluindo José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Caio Prado Jr, Nelson Werneck Sodré, Oliveira Viana, Celso Furtado, Viana Moog, Milton Santos e os unânimes Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre: "Todos de algum modo buscaram ver o Brasil de modo abrangente e a partir de concepções fortemente ancoradas na compreensão do processo histórico. Também foram capazes de buscar as raízes da especificidade nacional, sem adotar passivamente modelos pré-concebidos ou esquemas de interpretação mecanicistas." A explicação, é do professor do Departamento de Política da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira.
Atualmente, as Ciências Sociais já não fazem mais incursões abrangentes em veredas brasileiras. O "focar", verbo insistentemente conjugado no presente, pode explicar por que agora os estudos são direcionados para recortes específicos. Isso é assunto que Débora Messenberg costuma analisar em meio às muitas aulas que ministra no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Mas, se de grão em grão, como reza o clichê, a galinha pode encher o papo, de tese em tese também se estabelece um panorama a respeito de nossas complexidades.
A estudiosa da UnB faz questão de lembrar que alguns estudos contemporâneos, em vez de de apontar para o que somos, optam pelo inverso: retratam o que não diz respeito à nossa realidade. "Parece até um tique comparar o Brasil aos Estados Unidos", afirma Débora. A professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Regina de Paula Mota pega carona na fala da colega da UnB, e dispara: "Nossos pensadores costumam beber em fontes estrangeiras. Há poucos intelectuais brasileiros com visão de mundo original. Isso sim, é pobreza".
A Antropofagia (do movimento Modernista), a Tropicália e o "transe" do Cinema Novo são, no entendimento da pesquisadora mineira, algumas das formas de pensar mais ricas já produzidas no Brasil. Maria Regina de Paula Mota considera essas manifestações artísticas mais importantes para o entendimento do Brasil do que o legado dos intérpretes clássicos, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. "Pra que interpretar? É preciso inventar. Oswald de Andrade, com a sua obra, inventou uma visão de Brasil. Leiam Oswald", sugere.
Do passado rumo ao aqui-e-agora, apesar até mesmo da precariedade das elites tupiniquins, inoperantes e incapazes por exemplo de elaborar um projeto moderno de país, o Brasil pulsa. E como. O professor da Unesp Marco Aurélio Nogueira, também colunista do jornal O Estado de S.Paulo, analisa que o Brasil protagonizou uma fantástica revolução ao longo do século 20, "que revirou nossa sociedade de ponta-cabeça". "Em um século, nos tornamos uma potência industrial, mas não conseguimos enterrar o legado social de nosso passado colonial, legado esse que acabou por ser, ao longo do tempo, muito mal enfrentado pelas elites que se puseram à frente do Estado", pondera.
Alexsandro Eugenio Pereira, professor de História da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), chama atenção para um dado que, por mais óbvio que soe, merece atenção: "O Brasil ainda carece de uma sociedade mais participativa, tendo em vista o impacto das decisões políticas sobre a vida social". Complexo, plural, multifacetado, o Brasil esse enigma indecifrável, que engole quem tenta uma decifração, segue entre o misterioso e o óbvio. Daí a pertinência da insistente pergunta-título estampada no alto dessa página.



