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Quem tem medo do teatro curitibano?

Diversos fatores contribuem para a dificuldade evidente do teatro curitibano em construir um público maior e mais integrado à cena local

 | Ilustração: Osvalter Urbinati
(Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati)

Uma cena de sábado à noite, por volta das 21 horas, no Teatro José Maria Santos, Centro Histórico de Curitiba, pode muito bem definir o que é a cena teatral curitibana em sua pele: a excelente atriz e produtora Fabia Scholze agradece a presença dos 15 espectadores, principalmente os parentes e amigos que vieram prestigiar Palavra de Mulher, uma peça de viés feminista e bom trabalho musical – para quem admira Mônica Bezerra, vocalista da banda Nega Fulô, ocasião perfeita para ouvir as engajadas composições que ela fez exclusivamente para o espetáculo.

Após os aplausos, todos se cumprimentaram e elogiaram o trabalho do power trio, que se completava com a atriz Vani Pampolini. Ali, entre abraços e afetos, se evidenciou um panorama comum no teatro curitibano: boas possibilidades estéticas, discussões sociais importantes e ausência de público espontâneo – o que foge completamente das próprias origens da expressão artística.

O teatro, em si, surgiu de modo instintivo, de nossa tentativa de dominar a natureza e se autorrepresentar. Os rituais tribais, com danças, já apontavam para o viés cênico humano. Dos ditirambos que cantavam e homenageavam os seus deuses em festas estranhas com gente esquisita, por volta de 7. a.C, passando pelos três grandes tragediógrafos Ésquilo (525-456 a.C.), Sófocles e Eurípides (480 a.C.-406 a.C.) e seus festivais, a Grécia estabeleceu uma forma de entender a produção teatral. Então vieram os anfiteatros romanos – o Coliseu comportava até 50 mil espectadores –, Shakespeare, a Commedia Dell’Arte e seus artistas mambembes que se apresentavam em feiras livres e festas populares, o Romantismo e seus atores e atrizes-estrelas, até chegarmos ao teatro contemporâneo, a ideia de não apenas um teatro, mas vários teatros, a fartura de formas, estilos, gêneros e ideologias (Stanislavsky ali, Brecht acolá, Dias Gomes e seus regionalismos críticos, Nelson Rodrigues abrindo o mar humano das contradições). "Nós vivemos um novo momento na relação entre o público e o teatro", afirma o diretor Paulo Biscaia Filho, da Companhia Vigor Mortis. "Em um plano local, há vinte anos vivemos o sistema de leis de renúncia fiscal, que ampliou a oferta produtiva. Por outro lado, viciou o público, que se acostumou a pagar pouco ou nada para consumir teatro", completa.

Público: onde estás? Por que foges?

A produção teatral contemporânea – embora não custe lembrar o cineasta Ugo Giorgetti quando diz que é uma ingenuidade acreditar que todos somos contemporâneos –, de fato, assimilou toda uma tradição para se configurar como é. O público, não. Motivo pelo qual há uma dificuldade de apreensão e um distanciamento entre companhias e consumidores. "O público se desacostumou a ir ao teatro. A espetacularização cultural retirou uma fatia considerável de nossos espectadores", afirma o diretor Edson Bueno. Ele também se refere, de certa forma, a um fenômeno cada vez mais disseminado: as peças se pagam previamente com financiamento estatal e não precisam de plateia para se sustentar. Está tudo acertado de véspera. "Se vai dez ou trinta pessoas, ao diretor, muitas vezes, tanto faz", alfineta Bueno.

Outra questão importante está na localização dos teatros, que obedecem a uma lógica geográfica quase mundial: o circuito fica nos centros urbanos, em um perímetro restrito. Se o sujeito mora na periferia da metrópole, a coisa complica. "O teatro precisa sair de seu quadrado. Precisamos dialogar mais com o público, ir às periferias, levar espetáculos a lugares que não têm uma cena estabelecida e agregar a comunidade", afirma Isidoro Diniz, que monta Os Dois Amores de Colombina no Teatro Sesi – Portão. "Por outro lado, falta estrutura para os espaços periféricos receberem boas montagens", conclui.

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