
Em seu famoso ensaio sobre fotografia, a intelectual norte-americana Susan Sontag remete ao mito da caverna, de Platão, para construir um painel sobre as imagens como fenômenos sociais. "A humanidade permanece irremediavelmente presa dentro da caverna de Platão, regalando-se ainda, como é seu velho hábito, com meras imagens da realidade." Para a ensaísta, é a partir da sua industrialização quando as câmeras passam a se tornar objetos do dia-a-dia que a fotografia surge enquanto arte.
Desde então, e esse não é um fenômeno recente, discute-se o papel que a fotografia exerce dentro do universo das artes visuais, terreno conhecido por ser palco de grandes desavenças, sobretudo quando se trata de delimitar fronteiras.
"Mais do que com as artes plásticas, a fotografia tem uma forte ligação com a música e a poesia. É só pensar na origem do termo, que significa 'escrever com a luz'", explica o fotógrafo Orlando Azevedo, que se mostra cético em relação ao grande número de obras fotográficas presentes nas bienais. " E só o tempo vai poder dizer o que fica. Independentemente da técnica utilizada, ou se tem ou não se tem qualidade. Existe uma grande falta de conhecimento. O conceito passa a ser mais importante que o domínio técnico ou estético."
As primeiras pesquisas artísticas com a fotografia datam do século 18, com movimentos como o pictorialismo, que buscou aproximar a nova técnica aos processos artísticos convencionais, uma espécie de pintura com a câmera. Já na virada do século, fotógrafos como o francês Félix Nadar, retratista de grandes personalidades de seu tempo, dialogaram com as artes plásticas. E um pouco mais tarde, Man Ray, ligado à vanguarda dadaísta e surrealista, também realizou aproximações entre diferentes técnicas, rompendo limites entre as artes. Vale lembrar que é o período em que o ready made (objetos industrializados que são retirados de seu uso cotidiano e chamados de arte) e os diversos questionamentos dos artistas subvertem a própria noção do que seja a "arte".
"Mas é a partir dos anos 70 que aparece o que chamamos de fotografia plástica, quando ela passa a ser assumida nas artes visuais. Alguns autores apontam que ela é responsável pela passagem do modernismo para o pós-modernismo. A fotografia era normalmente associada à baixa cultura, à cultura de massa e sobe ao museu, à chamada alta cultura. A idéia de alta e baixa cultura é rompida", esclarece a fotógrafa e coordenadora do núcleo de estudos da fotografia, Milla Jung.
Antes desse momento, a fotografia permanecia autônoma em seu próprio meio, uma espécie de campo separado nas artes plásticas. Com a pós-modernidade, as fronteiras, já pouco delimitadas, das artes perdem cada vez mais força.
"A fotografia permitiu repensar questões que eram originalmente da pintura, como o caráter bidimensional, a cor a composição, o tratamento, etc", explica a professora de História da Arte e coordenadora do Centro Cultural Solar do Barão, Simone Landal.
As imagens captadas por meio de instrumentos tanto câmeras quanto vídeos se legitimam no circuito das artes visuais e ganham mais força a cada ano. Há cerca de 20 anos o audiovisual adquire maior relevância no cenário e atingiu seu apogeu nos anos 90.
"Estive recentemente em um uma feira de galerias de arte, na Espanha, e a maioria dos estandes tinha fotografia. Existe por lá um grande comércio de fotos no circuito das artes. Inclusive há colecionadores específicos de fotografia e vídeo", aponta a galerista Tuca Níssel, da Ybakatu.
E de onde nasce esse interesse pelas imagens? "A fotografia retrata realidades que já existem, apesar de somente a câmara poder revelá-las. E retrata temperamentos individuais, que desvelam através dos cortes que a câmara faz da realidade", escreve Susan Sontag. A relativa facilidade do meio, popularizado ainda mais com as técnicas digitais, pode ser outro dos fatores que aproximam a arte de seu público. Seja como suporte para a arte, seja como o objeto artístico em si, o fascínio que a fotografia exerce é um terreno inesgotável para discussão.



