
Hollywood construiu sua história sobre os ombros de heróis. Dennis Hopper, que morreu no último sábado, aos 74 anos, nunca quis ser um deles. Rebelde com muitas causas, sobretudo a do inconformismo, foi um ator que encarnava, até mais do que o anti-herói. o desconforto, a dissonância. Portanto, faz todo sentido que a primeira imagem que muitos tenham de Hopper no cinema é a de um dos jovens do elenco de Juventude Transviada, clássico de Nicholas Ray estrelado por James Dean, que dele saiu como um dos mais perenes símbolos de rebeldia adolescente na história do cinema.
Lançado em 1955, quando Hopper tinha apenas 19 anos, o filme denuncia um intenso mal-estar diante do american way of life, da aparente estabilidade de uma existência suburbana construída em torno da família de classe média nuclear, branca e protestante, que 15 anos mais tarde, em Sem Destino, seu primeiro trabalho como diretor, ele trataria de implodir em mil pedaços.
Mais do que apenas um filme, Easy Rider , título original do longa-metragem protagonizado por Hopper e Peter Fonda, é um manifesto.
Ao retratar a trágica jornada de uma dupla de motoqueiros hippies, que atravessam lisergicamente as estradas dos Estados Unidos como se fossem veias de um corpo doente, em profunda crise de identidade, o filme provoca, cutuca, debocha. Por defender, em suas entrelinhas, que o establishment é uma barreira a ser derrubada, um limite a ser transposto. O que está além desses obstáculos vale mais a pena.
Vencedor do prêmio de melhor obra de estreia no Festival de Cannes e indicado ao Oscar de roteiro adaptado, também coassinado por Fonda e Hopper, Sem Destino pertence à mesma safra de outro título importasnte, divisor de águas: Perdidos na Noite, obra-prima de John Schlesinger que venceu o Oscar de melhor filme e abalou estruturas ao permitir o protagonismo a tipos marginais como um garoto de programa interiorano (Jon Voight) e um miserável morimbundo (Dustin Hoffman).
No fim da década de 1970, Hopper teria um papel pequeno, porém importante, em Apocalipse Now (1979), polêmica releitura de Um Coração nas Trevas, romance colonialista de Joseph Conrad, transposto pelo diretor Francis Ford Coppola para a Guerra do Vietnã. No filme, Hopper não é um militar, mas um soldado da mídia, hipnotizado pelas atrocidades que primeiro vê e depois o engolem em dos mais perturbadores dramas bélicos já produzidos pelo cinema. Ele representa a mídia servil, obcenamente conivente com um conflito sem muita razão de ser.
Seis anos mais tarde, Hopper faria aquele que talvez seja seu personagem mais emblemático. Em Veludo Azul, de David Lynch, ele encarou Frank Booth, um psicopata alucinado que é a encarnação do mal. Ou melhor, o reverso da falsa normalidade suburbana que Lynch, aqui em conexão direta com a crítica social contida em Juventude transviada, busca expor. A imagem do personagem com uma máscara de inalação sobre o rosto é grotesca, assustadora. Hopper jamais teve medo de ser visto assim.





