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Literatura

Relicário de afetos e profundidades

Relançamento de O Homem ao Lado ratifica a posição de Sérgio Porto como um dos maiores cronistas brasileiros do século 20

Para Millôr Fernandes, Sérgio Porto era um “existencial.” | Divulgação
Para Millôr Fernandes, Sérgio Porto era um “existencial.” (Foto: Divulgação)
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Sérgio Porto (1923-1968) é uma daquelas figuras da vida cultural brasileira do século 20 que lança-nos em devaneios sobre outros tempos e frequências: deve ter sido marcante a convivência com este que foi um dos mais prolíficos e engraçados cronistas brasileiros – sua existência foi como um tiro na madrugada.

O carioca Sérgio Marcus Rangel Porto criou uma galeria de personagens antológicos, como a Tia Zulmira. Seu alter-ego Stanislaw Ponte Preta, o célebre arrasador de costumes, batismo inspirado no personagem Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, criou o Febeapá – O Festival de Besteira que Assola o País, onde dizia coisas como "O imbecil não tem tédio". Foi, de todo, um dos pilares da melhor geração de cronistas que o Brasil já teve, ao lado dos totens Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, e escreveu nos principais periódicos de seu tempo, como o Diário Carioca, o Última Hora e a Manchete.

O Homem ao Lado é seu primeiro livro de crônicas, de 1958. Relançado agora pela Companhia das Letras, contextualizado e com excelente prefácio do jornalista Sérgio Augusto, é um marco da literatura brasileira, com suas histórias de boêmia, amor e melancolia. Até quando ostentava em crônica o seu caderninho de endereços – ah, inveja... –, transparecia leveza e uma dose extrema de humanidade. "Letra P – Paulo: Mendes Campos e Crespo. Passarinho – moça que atende por este suave apelido". "Letra R – Rubem Braga – O sabiá da crônica. Ramiro e Raimundo Nogueira – pintores. O segundo é também decorador. Quanto a Rosinha, é apenas decorativa". Aliás, Rubem Braga odiava a alcunha. Não há notícias sobre o que Rosinha pensou de sua definição.

Folha em branco

O que mais impressiona em Porto, além de sua capacidade de resgatar o cotidiano de sua banalidade, é como ele preenche a página em branco e consegue nos lançar diretamente ao eixo de seu recorte diário. "Cuidado com o bolo" começa assim: "Acordo com a certeza de que o uísque da véspera fora batizado pelo químico da boate". Em "Um anjo": "O marido solto no verão – por força do veraneio da família – é um homem que muda por completo seus hábitos e atitudes ao sentir-se libertado dos compromissos domésticos. É um homem sem horário para comer, para dormir e até mesmo para trabalhar". É um comentário mais preciso do que o outro, "Para um homem da cidade o silêncio de uma fazenda é cheio de estranhos barulhos."

Em texto histórico de Millôr Fernandes, escrito no O Pasquim em outubro de 1970, afirmou que ele era sobretudo um existencial. "Me dava a impressão de que transformava a possível indignação social em humor escrito e falado e tocava o bonde (havia bondes!) sem se deixar abater. [...] Eu estava ainda deitado, mas já acordado, às nove horas da manhã, quando vieram me avisar que ele tinha morrido. Sem querer, dei um grito."

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