
Voltar para Curitiba depois de se formar em Cinema na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, onde estudou entre 2002 e 2006, teve um valor simbólico muito importante na vida de Jessica Candal. Além do diploma e das experiências acumuladas ao longo de mais de cinco anos na capital paulista, ela trazia na bagagem uma grande expectativa: a de, finalmente, iniciar sua vida de adulta. E havia motivos para isso. Veio acompanhada do namorado (hoje marido), o também cineasta Bruno Mancuso, com quem iria morar, e a perspectiva de iniciar sua vida profissional.
Mas, ao mesmo tempo em que tudo parecia apontar no sentido de uma existência de gente grande, com trabalho, casa e contas para pagar, Jessica entrou em crise. Viu-se diante da mãe, Rosana, e da avó, Alciony, mulheres que optaram pela dedicação exclusiva à família, aos filhos. E também se deparou com amigas, que já haviam seguido caminhos semelhantes, com maridos e filhos. A inquietação, então, foi inevitável: estaria ela, também, fadada a seguir esses mesmos passos?
Desse questionamento, um desconforto até, nasceu a proposta inicial do documentário O Espelho de AnA, média-metragem que será lançado na próxima terça-feira (22) no Teatro da Caixa. Quando apresentou o projeto, depois aprovado, para avaliação pela comissão da Lei do Mecenato da Fundação Cultural de Curitiba, Jessica pretendia investigar a condição feminina, falando de si mesma e de pessoas próximas, mas também das mulheres de uma maneira geral.
À medida em que Jessica foi captando as primeiras imagens e depoimentos da mãe, da avó e de amigas, no entanto, ela foi percebendo que não teria como abarcar um tema tão amplo em um documentário apenas, e que precisava reajustar o seu foco. A diretora percebeu que, no fundo, já estava fazendo uma investigação sobre si mesma enquanto mulher, e que essa perspectiva a permitiria uma discussão mais complexa, profunda e pessoal, ainda que aparentemente menos ambiciosa.
O Espelho de AnA, portanto, é uma espécie de reflexão autobiográfica de uma jovem na casa dos 20 anos que se vê diante do dilema de encarar ou não de frente decisões mais definitivas, como o casamento, a família, a carreira. Para isso, Jessica costurou imagens captadas especificamente para o filme, como os tais depoimentos familiares e cenas de seu cotidiano doméstico com Bruno e amigas, a registros acumulados ao longo dos anos desde sua ida para São Paulo.
Uma das sequências mais impressionantes de O Espelho de AnA pertence a essa imagens do passado que foram incorporadas ao documentário. Tainá, uma grande amiga do período em que estudou em São Paulo, está prestes a dar à luz à filha, Lila, hoje uma garotinha crescida, em um quarto cercada de mulheres. Coube a Jessica gravar o parto, mostrado em detalhes no documentário.
À época, a cineasta não imaginava que essas imagens um dia pudessem ir além do mero registro feito na base da camaradagem íntima e pessoal. Mas, quando iniciou-se o processo de elaboração do filme, fez sentido que aquelas cenas fizessem parte do documentário, que também traz desde uma discussão entre Jéssica e uma amiga de faculdade, na qual falam sobre o suposto narcisismo da diretora, até momentos de uma viagem que ela fez sozinha à Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo, enquanto enfrentava uma crise de relacionamento com o então namorado.
Hoje aos 28 anos e professora de um curso de cinema e vídeo, integrante da grade extracurricular do Colégio Nossa Senhora Medianeira, do qual também foi aluna, Jessica conta à reportagem da Gazeta do Povo que aprendeu bastante ao longo do processo de dois anos e meio de elaboração de O Espelho de AnA.
Por lidar com a história da própria realizadora, mas também com momentos nas vidas de outras pessoas que são ou foram próximas, ela diz que teve de vivenciar o conflito ético de expor não apenas a sua intimidade, mas também de pessoas de seu convívio. Do ponto de vista artístico, além da já citada mudança de enfoque do filme, uma lição importante foi questionar de que forma iria se narrar, contar a sua história e estabelecer a discussão do feminino proposta.
"A primeira edição do material era linear, cronológica, e as pessoas que a viram disseram que havia um discurso já pronto, um posicionamento claro. Quis evitar isso, quebrando essa ordem, abrindo outros sentidos no filme", diz Jessica. Outra preocupação também foi a de que, embora esteja no centro de O Espelho de AnA, o filme não resultasse em mero exercício narcisista, à la Big Brother, o que definitivamente não é.
Serviço:
O Espelho de AnA. Lançamento dia 22 de novembro, às 19 horas, no Teatro da Caixa (Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro), (41) 2118-5111.




