
Meryl Streep pode até ganhar seu terceiro Oscar por A Dama de Ferro, cinebiografia da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que estreia amanhã nos cinemas brasileiros (Veja fotos, trailer e sessões do filme no Guia Gazeta do Povo). Mas, caso vença, estará sendo reconhecida bem mais pelo conjunto de sua obra, que lhe rendeu 17 indicações ao prêmio da Academia, do que propriamente por sua atuação no irregular filme de Phyllida Lloyd (de Mamma Mia!).
A proposta do roteiro de A Dama de Ferro é até interessante. Margaret Thatcher, já aposentada e recém-viúva, é uma anciã com os primeiros sinais da doença de Alzheimer. Embora esteja lúcida em vários momentos, a ex-premiê é incomodada por alucinações constantes, sobretudo com o marido, Denis (Jim Broadbend, vencedor do Oscar de coadjuvante por Iris), que insiste em fazer-lhe "companhia". E ela também tem flashes aparentemente desconexos de seu passado. Essas lembranças servem para, de certa forma, reconstituir a trajetória da personagem dentro da narrativa do filme.
Vemos a jovem Margaret (Alexandra Roach), filha de um quitandeiro do interior da Inglaterra, desde cedo demonstrando ter um temperamento combativo, disposta a desafiar convenções e ser bem mais do que uma mera dona de casa da classe média. Ao contrário da maior parte das jovens de sua geração, que conformam-se com o previsível futuro de se casarem e constituirem família, ela quer mais: vai estudar em Oxford e também ambiciona uma carreira política.
Acima do tom
Ironicamente, é justamente quando Meryl Streep assume o papel de Margaret, que aos poucos vai alcançando proeminência no Partido Conservador da Grã-Bretanha, que o filme sai dos trilhos. A atriz norte-americana está excelente como a Margaret Thatcher idosa, mas um tanto acima do tom quando a encarna na meia-idade, nos anos que antecedem sua ascensão ao cargo de primeira-ministra e durante o período de 11 anos em que esteve no cargo de chefe de governo do Reino Unido, entre 1979 e 1990.
Esse desalinho entre papel e atriz se dá muito menos por inadequação do que em decorrência de um roteiro mal costurado, que não dá conta de narrar com clareza e complexidade a trajetória política de Thatcher, bastante única. Sabe-se que ela é oriunda da classe trabalhadora, mas tem posturas conservadoras, colocando-se contra os movimentos sindicais dos anos 1980 e a favor do Estado mínimo. Também é mostrado, ainda que muito superficialmente, seu dilema frente ao IRA (Exército Republicano Irlandês) e outras organizações terroristas que executaram vários atentados durante sua administração, inclusive contra sua vida. Nada é dito, contudo, sobre os motivos ou as circunstâncias desses ataques.
Malvinas
Maior atenção é dada à Guerra das Malvinas, que aconteceu entre abril e junho de 1982, quando a Argentina invadiu o arquipélago no Atlântico Sul. O episódio, do qual as tropas do Reino Unido saíram vitoriosas, teve enorme impacto na popularidade da primeira-ministra, até então em baixa, também impulsionando a economia do país, comandada com pulso forte por Thatcher. O tom do filme, nesse momento, é triunfalista e redutor, e parece apenas buscar um pretexto para exaltar as qualidades de estadista da personagem.
Como os fatos da trajetória política de Thatcher são fragmentados, sob a justificativa de serem reminiscências de uma mente à beira da senilidade, muito fica nebuloso para o espectador e a personagem, complexa e tocante na velhice, é muito unidimensional nesses anos-chave. São canhestras, por exemplo, as cenas que, supostamente, reconstituem o processo de construção da persona pública da candidata ao posto de primeira-ministra, no qual ela tem de exercitar gestos mais impositivos e um tom de voz mais altivo. A sequência lembra O Discurso do Rei, de Tom Hooper e ganhador do Oscar de melhor filme no ano passado, mas sem a metade do charme.



