
Sambista de uma dicção antiga, "orlandosilviana", elegante, espécie singular de uma época de ouro do samba, morreu no último domingo, o carioca Roberto Silva, aos 92 anos. Sofria de câncer na próstata e estava internado no Hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, após sofrer um AVC. O enterro foi realizado na tarde de domingo, no Cemitério de Inhaúma.
Conta-se que um dia perguntaram a João Gilberto qual era seu cantor preferido e ele respondeu: Roberto Silva. Alguém achou que tinha entendido mal e quis checar: "Você quer dizer Orlando Silva, não?". E João Gilberto: "Não. Orlando eu adoro, é claro. Mas eu disse Roberto Silva".
Era idolatrado por Paulinho da Viola, Fernanda Abreu, Caetano Veloso (que cantou com ele "Juracy", de Antônio Almeida e Cyro de Souza), Casuarina, Zeca Pagodinho, Chico Buarque. Gerações muito distintas beberam da fonte de sua voz marcante e poderosa. Interpretações como a de Silva em "Você Está Sumido", de Geraldo Pereira, deram um norte para aspirantes ao samba de todos os quadrantes era da estirpe de Walter Alfaiate, Nelson Sargento, desse nível.
Primeiro sucesso
Roberto Silva gravou seu primeiro grande sucesso, "Mandei Fazer Um Patuá", em 1947. Conta que estava em um programa da Rádio Tupi quando se apresentou a ele o compositor potiguar Raimundo Olavo, que além de conhecedor do samba era um grande alfaiate. Mostrou a ele a canção, que era sua e de Norberto Martins. Roberto Silva não teve dúvidas: gravou e aquele se tornaria seu primeiro grande abre-alas.
"Marcou na minha carreira até hoje", contou Silva. Logo a seguir, Raimundo Olavo veio até ele com outro de seus grandes sucessos, "Normélia". "O Brasil inteiro me aplaudia demais quando eu cantava Normélia."
Foi ainda na Rádio Tupi ("Devo a São Paulo mais de metade da minha carreira", dizia) que ganhou o apelido de Príncipe do Samba dado pelo apresentador Carlos Frias. "Acompanhei muitas gravações dele quando era pequeno, levado por meu pai. Ficava no meu canto, assistindo", contou Paulinho da Viola.
Origem
Roberto Napoleão Silva foi na contramão da maioria dos sambistas, migrou da Zona Sul para o subúrbio nasceu no Morro do Cantagalo, em Copacabana, e foi morar em Inhaúma. Tornou-se uma referência por conta de seu canto sincopado e, embora seja um intérprete associado à velha guarda, se destacou também por antecipar uma série de maneirismos vocais, caso de "Da Cor do Pecado" (Bororó).
Começou a carreira no fim dos anos 1930 na Rádio Guanabara. Nas duas décadas seguintes ele se tornou intérprete dos mais populares do rádio. Nos anos 1960, foi um dos grandes vendedores de discos (gravou centenas deles em 78 rotações pela gravadora Copacabana, incorporada pela EMI).
É do fim dos anos 1950 o lançamento do primeiro elepê da série Descendo o Morro, composta por quatro volumes, e gravado com o grupo formado por Altamiro Carrilho (flauta), Raul Barros (trombone), Dino Sete Cordas (violão), Meira (violão de seis cordas) e Canhoto (cavaco).
Clássicos
O cantor carioca emprestou a voz a sambas clássicos de Geraldo Pereira ("Escurinha" e "Falsa Baiana"), Wilson Batista ("Emília" e "A Mulher de Seu Oscar"), Nelson Cavaquinho ("Notícia" e "Rugas"), Blecaute ("Lágrimas"), Paulo Vanzolini ("Volta por Cima") e Ataulfo Alves ("Bonde São Januário" e "Meu Pranto Ninguém Vê"), entre outros.
Em 2002, a Universal lançou Volta por Cima, um esforço de resgate do sambista, disco que o trazia em interpretações de Nelson Cavaquinho, Paulo Vanzolini, Chico Buarque, Ary Barroso, Sinhô, Bororó. Na contracapa, Zeca Pagodinho se declarava: "Dos grandes mestres que me foram mostrados, falo de Roberto Silva". O sambista deixa sete filhos e 30 netos.



