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Integrante do inventivo grupo Passo Torto, músico lança seu quinto e “difícil” álbum solo | Fernando Eduardo/ Divulgação
Integrante do inventivo grupo Passo Torto, músico lança seu quinto e “difícil” álbum solo| Foto: Fernando Eduardo/ Divulgação

Opinião

Em dúvida entre caos e perfeição, álbum é "bonito de doer"

Os ruídos das ruas (de São Paulo, não por acaso) que atravessam Barulho Feio dão a chave para toda sua estranheza bela e beleza estranha porque Barulho Feio é, em toda a força da expressão, bonito de doer. Nas falas do povo a esmo, estão todo o caos e fragmentação que Romulo (e os seus) carrega em sua poética, e o disco, em seus arranjos – a guitarra de Held, o baixo de Cabral e o sax de França flutuando livres da gravidade do ritmo e da tonalidade.

Mas é também na voz das ruas que Romulo mira ternamente no núcleo de suas canções. A doçura de sua voz grave (por vezes à capella) e de seu violão formam o centro lírico do álbum, em seu anseio comovente de canção popular ("do povo"), de fazer todo mundo brilhar num cântico. Mas sem abandonar a potência do caos.

O conflito caos-perfeição que move o disco é exposto lindamente em versos como "Tô cheia de ódio, quebrei o agogô/ Criei a serpente, furei o meu bumbo/ Porém lá no fundo, ouvi de repente/ Toda essa gente, laialalaiá. "Por isso tanto sol e tanto ninguém, tanto Vinicius e tanto Nelson, tanta mentira e tanta revelação. Por isso flores como "Por Nós Dois", canção sexual-cerebral cantada com Juçara Marçal. Por isso, no fim, o clamor pela luz que foi e que dói. E a certeza da volta.

Serviço

Barulho Feio

Romulo Fróes. YB Music. Disponível para download em www.romulofroes.com.br.

A certa altura do papo, Romulo Fróes, cantor e compositor paulistano de 43 anos de idade, deixa escapar aquela que pode ser a informação que faltava para o entendimento de Barulho Feio, seu quinto álbum, que ele libera para download gratuito em seu site oficial. "Eu não podia aceitar que pertencia a uma geração perdida!".

Dez anos depois de seu primeiro CD solo, Calado (que será relançado em breve, em vinil, pelo selo da loja Locomotiva Discos), ele se vê hoje no centro de uma turma que não para de compor e de tocar. Que está aí "ano após ano lançando discos e inventando moda, mesmo com toda a torcida contra". São os criadores de uma música brasileira "submersa", de "discos lindos, antológicos, bons, fracos e ruins", com um denominador comum: a invisibilidade num mercado cada vez mais estreito. Sucesso? É algo que não importa mais.

"Dez anos atrás, eu tinha esse desejo básico de todo artista que era fazer sucesso, de ser parte da MPB que os artistas comentam. Fomos entendendo que talvez não fossemos capazes disso. Mas não parávamos de produzir", diz. "E os modelos se ajustaram. Hoje sou reconhecido, citado em trabalhos, consigo viver da minha música. Mas continuo anônimo do ponto de vista da indústria e do ouvido da minha mãe."

Apresentando-se "nos botecos" (como diz Romulo) ou em espaços como a Casa de Francisca (em São Paulo) e o Audio Rebel, no Rio, e lançando discos de forma independente, a turma segue em frente. É uma geração de compositores e músicos que, por um lado, veio das artes plásticas, categoria que abarca o próprio Romulo, além de Nuno Ramos e Eduardo Climachauska (o Clima), seus parceiros em canções desde Calado.

"O Nuno e o Clima pertencem a essa era romântica. Somos três não músicos com formação em artes plásticas fazendo música. É uma dessas maravilhas do Brasil, esse país onde todo mundo é capaz de jogar bola e de fazer música", diz o cantor, que sacramentou a parceria nas canções e na capa de Barulho Feio: uma montagem a partir de imagens da instalação Bandeira Branca, apresentada por Nuno Ramos na 29.ª Bienal de São Paulo, em 2010.

"Foi justamente a última obra que eu o ajudei a produzir", conta o músico. "E a canção-título ‘Barulho Feio’ retrata um pouco do sentimento de frustração vivido pelo Nuno e também por mim, causado pela polêmica que esse trabalho gerou, pelo fato de ele contar com urubus vivos em sua concepção. Acho que esses versos carregam um pouco do sentido geral do disco."

Experiência

Outros encontros, musicais de fato, são celebrados no álbum com o guitarrista Guilherme Held, com o saxofonista Thiago França, com a cantora Juçara Marçal e, principalmente, com o trio Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral, com quem Romulo formou o grupo Passo Torto, já com dois discos e muitos shows feitos.

Disco que define como "experimental", Barulho Feio é um trabalho em que Romulo faz de tudo para dificultar o acesso à canção, seja ao enchê-lo de barulhos de rua (e aproximar o ouvinte da sua própria experiência com ele, cujas primeiras mixagens ouvia no iPod, no ônibus) ou provocando os músicos a executar seus instrumentos da forma menos convencional possível.

"Fico estudando o quanto vão me atacar e o quanto vou ficar imune. Ao vivo, eles já me acertaram e me perdi na canção", diverte-se o cantor.

E sua produção não para. Daqui a um mês, ele começa a gravar um disco só com músicas de Nelson Cavaquinho, a ser lançado no primeiro semestre do ano que vem.

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