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Corpo de Rubem Alves será cremado em Guarulhos

O corpo do escritor e educador Rubem Alves será cremado hoje (20) à tarde, no Crematório Metropolitano Primaveras, em Guarulhos, na Grande São Paul

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Eram 11h50 quando o Hospital Centro Médico de Campinas reconheceu a morte de Rubem Alves, aos 80 anos, um dos mais populares escritores e educadores do país. Segundo o boletim oficial, ele teve agravamento das funções renais, pulmonares e falência múltipla dos órgãos. Deixa, como legado, uma obra marcada por discussões sobre a vida contemporânea, as questões etéreas que se apresentam entre o céu e a terra e, sobretudo, o amor aos livros e à poesia.

A carreira do mineiro de Boa Esperança (aquela pequena cidade das serras cantadas em forma de amor impossível por Lamartine Babo), nascido em 15 de setembro de 1933 – morava em Campinas desde meados da década de 1970 –, foi assinalada por uma produção vigorosa de 158 livros, distribuídos em mais de 12 países, sendo 57 de literatura infantil. Seus textos podiam ir da educação à filosofia, de piruás – milho da panela de pipoca que se recusa a estourar – à liturgia da morte, num eixo bem assemelhado aos sábios antigos e narradores orais.

Rubem Alves foi cronista, ensaísta, contista e tema de inúmeros estudos acadêmicos. Recebeu flores em vida. Algumas pedras, evidente. Sucesso de vendas, parte considerável da crítica especializada acusava-o de servir pouco aos propósitos literários e mais aos murais das redes sociais, além de se valer de um universo limitado de intelectuais – o que podemos ler, em segunda análise, como coerência –. Era contrário ao sistema de cotas e propunha o sorteio como solução no caso dos estudantes que passam às fases seguintes dos vestibulares, sistema de avaliação, aliás, ao qual era radicalmente contra.

Em uma obra tão ampla e de propósitos renascentistas, merecem destaques a coletânea Ostra Feliz Não Faz Pérola, 2º lugar do Prêmio Jabuti de 2009 na categoria Contos e Crônica, e o encantador O Retorno e O Terno, de 2010, próximo da trigésima edição. O autor sempre foi um hit entre professores e educadores infantis.Competente na ligação de uma palavra na outra, expunha uma fluência rara, ao plano estético de Rubem Braga, isso de atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. Era notória a influência que o Velho Braga exercia sobre ele no que se refere aos tons reflexivos e simples do cotidiano.

Imperava em seu baú afetivo uma atmosfera de conversa respeitosa ao pé de ouvido e de erudição aos braços da simplicidade, características que merecidamente o fizeram se tornar um dos intelectuais mais respeitados do país. Em 2010, criou o Instituto Rubem Alves, uma associação aberta, sem fins econômicos e de interesse público, com o intuito de estimular programas inovadores e alternativos voltados à educação. "Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu", dizia.

Caqui

Rubem Alves quis ser pianista. Filho de pais pobres e protestantes, encontrou acolhimento nas coisas do céu. "Religião é um bom refúgio para os marginalizados". Estudou teologia e foi pastor no interior de Minas – era aficionado por jardins e dizia que, ao invés da maçã, o fruto proibido da tentação deveria ser o caqui. Em seu site oficial, alegava que a aptidão pela escrita começou a se manifestar em 1975, ao nascimento de Raquel, sua terceira filha, quando passou a inventar estórias e escrevê-las.

Antes, no início da ditadura militar, foi denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana, à qual pertencia, como subversivo. Saiu do Brasil e foi estudar nos Estados Unidos. Voltou em 1968, Ph.D. debaixo do braço e sem emprego. O economista Paulo Singer, então o indicou para uma vaga como professor de filosofia na FAFI de Rio Claro (SP). Em 1974, transfere-se para a UNICAMP, onde fica até aposentar. No percurso, trabalha para diversos periódicos brasileiros, como a Folha de S.Paulo e o Correio Popular, de Campinas.

Mansidão existencial

Frasista de mão cheia, "o cachimbo é um produtor de neblinas", "a memória funciona como um escorredor de macarrão", "O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.", podia ir de Nietzsche a Mil e Uma Noites no mesmo período, propondo-se à meditação e a uma pausa no dia-a-dia – não era por acaso que tinha em seu escritório de psicanálise a reprodução de Mulher lendo uma carta, do holandês Johannes Vermeer, quadro em que uma mulher, de pé, lê uma carta, com um ligeiro sorriso. Era um romântico racional.

Em sua última crônica, publicada no Correio Popular, critica a submissão das crianças ao "jugo" dos saberes e ao modelo clássico de ensino. Não à toa, ele aponta, se fala em "grade" curricular — coisa de prisão. "Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim não morre jamais".

Morre Rubem Alves, mas não seu valor pedagógico, a sua veia crítica e singela, a forma como conciliou instrução e simplicidade, o jeito de conseguir, em tempos tão modernos e descompassados, oferecer um caminho interpretativo e esperançoso. "Já tive medo de morrer. Não tenho mais. Tenho tristeza. A vida é muito boa. Mas a Morte é minha companheira."

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