
O teatro contemporâneo evita o diálogo, e, por vezes, o "eu" fragmentado dos personagens exige o palco todo para si. É o caso de Saliva, peça da companhia curitibana Dezoito Zero Um, que retorna ao cartaz nesta quintafeira para uma temporada de duas semanas no Espaço Cênico (Veja o serviço completo do espetáculo no Guia Gazeta do Povo). O dramaturgo e diretor Alexandre França tirou dos pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari (mais especificamente do livro Mil Platôs) a inspiração para a trama: um homem elucubra sobre a vida e o mundo e a possibilidade de se criar novas formas de expressão no instante entre um tiro na cabeça e a morte.
VÍDEO: Veja um trecho da peça Saliva
"Fazemos um dilatamento do tempo", contou o autor à Gazeta do Povo. Durante 40 minutos, quem contracena com o ator Otávio Linhares são a sonoplastia e a luz (veja no destaque onde encontrar um trecho em vídeo da cena 4, que começa com Eu/Eu-agora/ Eu-segundo /Eu-partícula/Ventania).
"As coisas são mostradas com um tipo de linguagem diferente da convencional, com estrutura distorcida, na tentativa de demonstrar um novo sujeito", diz Alexandre.
Otávio avisa que o rompimento com a experiência tradicional do teatro faz com que o espectador receba palavras por vezes desconexas, como se, em cena, ele apenas sugerisse uma sequência de imagens, e não uma história.
A principal delas é a metáfora de que, no furo da bala, uma segunda boca poderia surgir, e da saliva dela cresceriam coisas novas.
"Quem assiste não vai sendo comovido, pelo contrário. Cada frase é uma imagem com texturas de voz diferentes, numa espécie de esquizofrenia."
Deleuze
Não é incomum artistas cênicos do teatro, dança ou das artes visuais listarem Gilles Deleuze entre suas influências. Por sua vez, o pensador francês expandiu pensamentos de Antonin Artaud em relação ao "corpo sem órgãos" ideia que abrange o abandono da ordem tradicional das coisas.
"O teatro está saturado de peças com ordem. Achamos que podíamos nos dar a algo novo no campo da invenção, criar novas estruturas, inventar uma linguagem", explica Otávio.
Quase numa contradição, o ator conta que, na estreia deste trabalho, durante a mostra paralela Fringe do último Festival de Teatro, foram pessoas de fora da classe teatral aquelas que mais apreciaram o resultado.
2013
Alexandre trabalha no momento num novo texto, Aqueles Que Protegem, e concorre no edital de mecenato municipal com um texto que mostra Billie Holiday por outro viés que não o de figura pública. O também compositor prepara ainda um disco para lançar no ano que vem.



