
Em 1975, um filme feito com a sucata de uma extinta produtora e com orçamento precário levou o cineasta brasileiro Carlos Reichenbach a uma turnê bem-sucedida pela Europa em seu retorno à direção, após três anos dedicados a filmes publicitários. Isso graças ao criador do Festival de Rotterdam, na Holanda, Gubert Bals, que se encantou por Lilian M: Relatório Confidencial, sobre a trajetória trágica de uma mulher do campo que abandona marido e filhos, seduzida por um mascate, e vai tentar a vida em São Paulo, onde sairá da miséria ao luxo.
Ganhador do prêmio de melhor roteiro da Associação Paulista dos Críticos de Arte daquele ano, o filme sofreu cortes profundos por exigência da censura brasileira. Mas uma cópia recém-restaurada pela Cinemateca Brasileira da versão integral, tal como viram os europeus, será exibida hoje à noite, na sessão de abertura do 43.º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo entre os grandes festivais do país.
Entre os dias 24 a 29, o festival exibe os filmes selecionados para participar das mostras competitivas: seis longas-metragens (a maior parte dirigida por jovens diretores que estreiam no formato) e 12 curtas-metragens em 35 milímetros e 22 curtas-metragens digitais.
A Alegria, segundo longa dos jovens diretores Felipe Bragança e Marina Meliande (de A Fuga da Mulher Gorila), ambos com 29 anos, abre as sessões de sua categoria, após ser visto em maio passado na Quinzena dos Realizadores, evento paralelo do Festival de Cannes. Felipe Bragança é parceiro do diretor Karim Aïnouz: foi diretor assistente e roteirista de O Céu de Suely, roteirista da série Alice e do novo filme de Aïnouz, A Praia do Futuro.
Em A Alegria, a protagonista Luiza, de 16 anos, enfrenta um verão quente e decisivo: após receber a missão de cuidar do primo, atingido por um tiro no pé, ela se vê às voltas com um novo amor, e decide fazer da alegria um lema de vida. O filme discute temas como a cultura dos blogs, a relação dos jovens com a política e a prática da alegria e do prazer como reação à nostalgia.
Na quinta-feira, será a vez de Eryk Rocha, filho do baiano Glauber Rocha, mostrar Transeuntes, seu primeiro longa de ficção ele é conhecido por seus documentários premiados, como Rocha Que Voa (2002), que teve por base duas longas entrevistas concedidas por seu pai em Havana, e Pachamama (2008), filme de estrada que revela uma América Latina em transformação.
Transeuntes mostra o cotidiano de Expedito (Fernando Bezerra), um senhor aposentado que caminha diariamente pelo centro da cidade do Rio de Janeiro. Pouco a pouco, ele abandona a resignação com a velhice e decide voltar a ser protagonista da própria vida.Os Residentes, segundo longa do mineiro Tiago Mata Machado (O Quadrado de Joana, de 2006), relata a rotina incomum de uma casa habitada por pessoas que convivem em uma espécie de república lúdica. Entre eles, um velho militante neoísta (movimento artístico que tem como característica o uso do plágio), um auto-exilado e uma artista plástica de renome, aparentemente sequestrada.
No sábado, outro mineiro, Sérgio Borges, apresenta seu primeiro longa, O Céu sobre os Ombros, no limite entre o documental e a ficção, no qual três personagens reais interpretam a si próprios: um hare krishna, que também é chefe da torcida organizada Galoucura (do Atlético-MG); um transexual com mestrado em Letras que se prostitui na rua; e um angolano de posições radicais e polêmicas que sofre de insegurança.
Outro filme híbrido entre documentário e ficção é Amor?, novo longa de João Jardim (de Janela da Alma e de Lixo Extraordinário) que tematiza as relações amorosas pautadas pela violência. Entremeados a cenas poéticas de um mergulho no mar e corpos que se tocam, estão relatos verdadeiros de quem já vivenciou a violência interpretados por atores como Lilia Cabral, Eduardo Moskovis, Silvia Lourenço, Fabiula Nascimento, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Julia Lemmertz.
Por fim, o documentário Vigias, estreia na direção de longas do brasiliense radicado em Recife Marcelo Lordello, que encerra a mostra competitiva de longas, acompanha a rotina de sete vigias noturnos.
A noite de premiação será antecedida pela exibição do longa Os Deuses e os Mortos (1970), de Ruy Guerra, premiado em quase todas as categorias daquele ano. Na Bahia dos anos 30, um homem sem nome e sem passado (Othon Bastos), sete vezes baleado, intromete-se na luta entre dois clãs de grandes coronéis pela posse da terra e do cacau. O elenco conta ainda com Norma Bengell, Ítala Nandi, Milton Nascimento, Dina Sfat e Nelson Xavier.
Serviço:
43º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. De 23 a 30 de novembro, em Brasília. Mais informações, no site www.festbrasilia.com.br





