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Saul Trumpet e todo aquele jazz

Às vésperas dos 70 anos, músico fala do início da carreira, do prêmio com o seu nome e sobre como o gênero fincou raízes na cidade

Por volta da meia-noite: o trompete elegante de Saul ecoa pelas ruas do bairro Rebouças | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Por volta da meia-noite: o trompete elegante de Saul ecoa pelas ruas do bairro Rebouças (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

No meio do salão, Saul Trumpet apresenta suas armas: "Este é um flugelhorn, está sempre comigo. Isto é um clarin que uso no jazz. E este é o ‘escurim’. Fala igual gente grande", brinca, mostrando seu trompete pocket de estimação. A gargalhada do músico é cool, suingada.

O salão é de beleza. Fica no térreo do sobrado alugado na rua Alferes Poli. É o local de trabalho da mulher Sônia. O do Saul sempre foi o palco, à noite. Há mais de 55 anos. Começou quando um vizinho se impressionou com as primeiras improvisações no bombardino que o pai tocava aos domingos na igreja matriz de Umuarama.

No carnaval de 1957, foi convidado a entrar na banda. Faltava o instrumento (não podia profanar o do pai). O tal vizinho, o presenteou. "Um trombone de pistão, vagabundo que só ele", conta.

"Toquei cinco noites e duas matinês. Depois daquele carnaval, fui tocar nas bocas e nunca mais parei. Um dia, um balé chegou na cidade e eu fui embora com os caras", lembra.

Rodou com a trupe até chegar a Porto União (SC). "Eles foram, eu fiquei. Tocava na zona e nos clubes. Virei músico de verdade". Mudou-se para Pato Branco, onde chegou a ter uma lavanderia. "Podia ter virado o Saul Tintureiro", ri.

Em 1970, em Curitiba, entrou para a Aquarius Band, a orquestra líder do mercado local de bailes. Foi logo reconhecido como um dos melhores músicos da cidade. Tocava, compunha e improvisava, mesmo sem saber teoria. "Não sabia dizer em que tom estava a música."

Ganhou aulas gratuitas (caderno pautado e método Bona) de um tenente da PM que ensinava solfejo aos soldados e era seu fã. Até então, também nunca tinha ouvido as grandes bandas de jazz.

"Eu tocava o que tava no ar. Miles Davis, Freddie Hubbard demoraram a chegar até mim. Quando ouvi, percebi que estava na mesma praia dos caras sem saber."

Em 1984, abriu o Saul Trumpet Bar, na rua Cruz Machado. Ponto obrigatório para músicos de passagem pela cidade. "Era um bar pequeno. Mesmo cheio, dava trabalho e não lucro. Mas tocávamos jazz de segunda a domingo. Esperávamos uma escola ao lado fechar e depois o pau cantava até de manhã", lembra.

Além do rebatismo com o nome da casa, Saul se orgulha de ter ajudado a criar a cultura do jazz na cidade, "O Endrigo Bettega , hoje um dos melhores bateristas do mundo, nos ouvia e depois ia pra casa praticar para chegar no nosso nível", disse.

Prêmio

Em 1997, Saul teve um aneurisma e o bar fechou. "Pensaram que eu ia morrer e criaram um prêmio com o meu nome", revela.

O premio Saul Trumpet laureava os melhores do ano na música paranaense. Teve oito edições. "Parou porque eu não ganhava grana nenhuma. Quem organizava ganhava uma legal", explica.

Saul tem planos de retomar a premiação. "Mas eu queria estar na frente, escolher os vencedores com outros músicos. Preciso de um cara bom de projeto para me ajudar a mandar a ideia para a Secretaria de Cultura", espera.

Enquanto isso, Saul tem tocado em eventos, bailes, casamentos e na noite da cidade, na base do "circuito restrito e cachê modesto, com boas exceções" e dá aulas de trompete. "Mas é isso, a música é minha vida", resume.

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