
A lógica que vale para a notícia, também se aplica ao cartum: se um cachorro morde um homem, não é notícia; mas se um sujeito morder um pitbull, daí é manchete. Ou seja, a matéria-prima para o cartum é o acidente, o escorregar na casca de banana, o salto alto que quebra, o inesperado vexame.
Cesar Marchesini acrescenta que o cartum, antes de qualquer definição, é um protesto. Sim, um comentário desenhado que critica alguma forma de comportamento. "Um cartum raramente traz um elogio. Na realidade, é um olhar sobre algum defeito. Mais que isso: se alguém não se ferrar, não tem cartum", afirma o cartunista da Gazeta do Povo.
Marchesini produz tirinhas veiculadas no caderno Vida e Cidadania, e define a sua produção como um cartum em três tempos. "Estico o cartum para três movimentos, e sei que tenho de conquistar o leitor em cinco segundos. Se o meu cartum não seduzir nesse breve espaço de tempo, o sujeito vira a página ou procura outra informação", diz.
Em Três Tempos é o nome do espaço que Pryscilla Vieira, que já colaborou com a Gazeta do Povo, conquistou na Folha de S.Paulo. Desde a última terça-feira (25), ela publica tirinhas (cartum em três tempos) no caderno Equilíbrio, substituindo a cultuada artista argentina Maitena.
O fato de Marchesini e Pryscilla publicarem tirinhas, que eles mesmo chamam de cartuns, em jornais não desmonta o chororô de outros, que alegam não haver mais espaço para cartum nos impressos?
Discórdia relativizada
Benett tem uma tese sobre o assunto. "O que determina o que é e o que não é cartum, é o espaço onde esse desenho é publicado", opina o chargista e ilustrador da Gazeta do Povo. O raciocínio dele sugere que, se um cartum, por exemplo, sobre algum problema social em tese, um desenho atemporal for publicado na página de opinião do jornal, o cartum, então, se torna uma charge.
O argumento encontra ressonância na fala de Tiago Recchia, que tem um espaço diário no caderno Vida e Cidadania. "Isso me permite liberdade de transitar entre a charge e o cartum. Mas, se eu decidir fazer um quadrinho ali, tudo bem", diz.
As falas de Benett e Rechia apontam para uma questão: talvez o problema, se é que se trata mesmo de um impasse, diz respeito a nome, e não à falta de espaço. Afinal, se tirinhas, continuamente publicadas em jornais, podem ser chamadas de cartum, e se dependendo do espaço em que se veicula um desenho, o trabalho pode ser chamado de cartum ou charge, então não há por que reclamar da falta de espaço, ou há?
Miran, considerado por unanimidade como um dos mais importantes cartunistas do Brasil, com renome internacional, acredita que há outro ponto, e não a falta de espaço nos impressos, que precisa ser discutido: a finalidade do cartum. Ele afirma que cartum não é um meio para provocar o riso, mas uma modalidade artística que pode colocar o ser humano em uma situação irônica e fazer uma observação social com certa graça. "Acima de tudo, com um bom desenho. Principalmente, porque não é preciso retratar o dia a dia da política brasileira", afirma Miran, que produziu a página ao lado, apenas com cartuns, sob encomenda para esta edição do Caderno G Ideias.
Benett pega carona no argumento de Miran, e acrescenta que o cartum não pode nem deve ser direto nem agressivo, mas sutil e insinuante. "O cartum não é nem pode ser óbvio, mas perspicaz. O leitor, quando gosta de um cartum, sente que se tornou cúmplice, de alguma maneira, do autor", diz.
Se existe, ou não, espaço para cartuns, depende do ponto de vista. A internet, por exemplo, revela-se um território sem fim nem limite para a veiculação. Mas, como o assunto envolve sujeitos com senso de humor, o que é reclamação também pode ser entendido como piada: "No Brasil, os cartunistas estão desaparecendo tão rápido quanto os tecelãos e os tipógrafos", comenta Benett. E Solda enuncia a frase que tanto define o que é cartum e também dá título a este texto: "Se não for divertido, não tem graça nenhuma".




