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Segredos (musicais) de liquidificador

Curitibano aliou música à culinária e criou ambiente inovador. Clientes tem cardápio musical à disposição

Daniel Farah e seu piano Essenfelder: música “feita em casa” complementa atrações de restaurante da família | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
Daniel Farah e seu piano Essenfelder: música “feita em casa” complementa atrações de restaurante da família (Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo)

O chapeleiro de madeira na entrada do estabelecimento remete à casas antigas. Mas os folhetos sobre a programação cultural da cidade, descansando sobre a extensão do móvel, anunciam que ali algo acontece.

O curitibano Daniel Farah uniu duas artes e criou a sua, personalizada e familiar. A partir das 18 horas, de terça-feira a domingo, as portas do Realejo se abrem. Farah atua por toda a extensão do estabelecimento: serve cervejas variadas em copos que aguardam sua vez na geladeira; anota na memória pedidos de petiscos e pratos árabes elaborados com sua ajuda; troca cinzeiros cinzas por outros à espera de brasa fresca. E não vê a hora de se sentar ao piano Essenfelder, ajeitar o banquinho e dedilhar o primeiro instrumento com o qual teve contato na vida.

"Não me considero pianista. Toco para acompanhar meu canto", disse o músico de 25 anos. Farah, descendente de sírios-libaneses, é bacharel em música pela Faculdade de Artes do Paraná e cozinheiro formado de tanto observar os truques de Dona Mari, sua mãe e chef de cozinha do Realejo. Há um ano e meio uniu as duas artes e o sobrenome do restaurante resume a proposta inicial: "culinária acústica".

Integrante dos grupos Terra Sonora e Bayaka, conhecidos por estudarem e tocarem a música popular de diversos países do mundo, e do Universo em Verso Livre – banda fruto de uma parceria com um antigo colega de faculdade –, Farah traz a MPB e a música árabe para acompanhar os quitutes feitos por Dona Mari. Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Bosco, Caetano Veloso e Gilberto Gil, alguns mestres ganham espaço no restaurante, que já viu por muitas vezes todos os seus 60 lugares ocupados.

Às terças, há o "cardápio cultural". No programa, é o cliente quem escolhe as músicas a serem executadas. Canções do gosto de Farah estão à disposição em partituras para piano, tão amareladas quanto a época em que foram criadas.

"A melhor coisa é você tocar uma música sabendo que o cara vai gostar", disse o "cantor e percussionista" – ajeitando, como se estivesse em casa, as pernas cruzadas por sobre a cadeira.

O conceito "escolha que eu toco" já rendeu bons causos. Certa vez, no meio de uma apresentação – que, claro, incluiu servir, arrumar e cobrar – uma senhora de uns 60 anos dirigiu-se a Farah. "Toca aquela... ‘Metamorfose Ambulante’, do Raul Gil. Demos risada e ela nem sabia o porquê. Eu toquei e nem a corrigi. Aqui o cliente continua tendo sempre razão", explicou, enquanto uma das 13 pessoas que trabalham no local limpava o piano, tocando repetidamente um "fá" e um "sol" descompromissados.

Dom

A música chegou cedo à vida do artista. Aos 4 anos, corrigia a mãe, que desandava canções de ninar por entoá-las fora do tempo. Aos 9, participava do coral da igreja. Pelos 15, começava a compor. "Eu sempre compus sem instrumento. Só pensava na letra e na melodia. Contato com instrumento, de verdade, fui ter quando entrei na faculdade", disse.

Em 2003, ainda na época dos estudos, Farah foi o co-fundador da Casa da Lua. Um sobrado na Rua Mateus Leme serviu para que expressões de diversas áreas ganhassem vida e noções de administração surgissem pela primeira vez para o curitibano. "Desenvolvíamos projetos, estudos de música instrumental. A rotatividade de artistas lá era de mais de 50 pessoas por semana. Tinha até um grupo de maracatu dentro da casa", explicou Farah, filho de Leonel Farah, que tem "voz de Nelson Gonçalves", "um vozeirão de peito", mas que não gosta de se apresentar em público.

Fora do Realejo, em paralelo aos solos de didjeridu – instrumento típico australianos – que o músico faz nos grupos Terra Sonora e Bayaka, há apresentações do grupo O Causo É o Seguinte, em que faz parceria com o ator e contista Richard Rebelo e o Trio Caipora (Farah, Érico Viensci e Eduardo Gomide). "É um passeio cultural. Tocamos e contamos causos de todo o Brasil", explicou.

A segunda casa da família Farah, hoje, contenta-se com a iniciativa de deixar um piano e um fogão a 23 passos de diferença. No dia 5 de dezembro de 2008, o espaço foi anunciado vitorioso da promoção De Bar em Bar, promovida pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. Concorreram 39 estabelecimentos de toda a cidade. Talvez nenhum outro tivesse o tempero musical da casa dos Farah.

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Serviço

Realejo Culinária Acústica (R. Cel. Dulcídio, 1.860), (41) 3311-1156. De terça-feira a domingo, a partir das 18 horas.

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