
João Luiz Woerdenbag Filho, que ficou conhecido no universo musical brasileiro como Lobão, decidiu contar a sua história, e o resultado está nas 596 páginas do livro 50 Anos a Mil, editado pela Nova Fronteira.
"É uma mostra bastante representativa da minha vida. Mas parece que o livro é um daqueles fenômenos, um furacão... um livro que veio para revelar fatos e definir posições", disse Lobão, por e-mail, em entrevista concedida à Gazeta do Povo, explicando o que o livro representa para ele.
Lobão se tornou sinônimo de rebeldia, sobretudo para quem viveu na década de 1980. O artista, no entanto, não se considera porta-voz de sua própria nem de qualquer geração. "Eu não sou porta-voz de ninguém. Sou a minha voz que se expressa no mundo, solitária e feliz. Sou a minha responsabilidade, minha disciplina e meu desejo", afirma.
Na autobiografia, ele confirma a sua vocação de provocador, e no início do livro, dá o tom do que vai apresentar ao leitor nas mais de cinco centenas de páginas: "Pela lógica dos fatos, eu deveria ter me tornado um bundão. Contrariando as expectativas, consegui atenuar e, até mesmo, reverter essa lamentável característica. Até hoje fico me perguntando como consegui essa façanha, pois, analisando bem os fatos, minha sina de idiota era tida e havida como algo certo e garantido."
O roqueiro confessa que, desde pequeno, sempre se sentiu incomodado no ambiente no qual nasceu, a zona sul do Rio de Janeiro. Hoje, aos 53 anos, abandonou a sua cidade natal, vive em São Paulo e, inclusive, escreveu uma canção para saudar o novo lar: "Eu jamais vou ter esquecer/ vou sempre te amar/ mesmo em algum tempo depois do futuro", canta, em "Song for Sampa".
O livro atinge o ápice nos momentos nos quais Lobão recupera a sua infância, quando começou a se tornar um questionador e descobriu as dores e as delícias do mundo. O músico, cantor e compositor se revela um talentoso memorialista, seja ao descrever cenários de um Rio de Janeiro onde ele cresceu, seja ao expor as suas fragilidades. Lobão interpreta que, diante de sua timidez, tocar bateria, e em seguida violão, foi um canal de expressão que o colocou em contato com outras pessoas e abriu as possibilidades para uma trajetória profissional.
Mas em 50 Anos a Mil também há trechos nos quais Lobão "perde a mão", e "perde a mão" porque parece escrever movido por raiva e ressentimento. No capítulo 35, ele direciona a sua metralhadora verbal contra Herbert Vianna, líder dos Paralamas do Sucesso. De acordo com Lobão, de 1983 a 1999, os dois viveram uma temporada de confrontos contínuos.
Ele conta que, em 1983, dentro de um quatro de hotel em Canela (RS), mostrou a Herbert a canção inédita "Rastamans in the Army". Depois de um tempo, Lobão diz ter escutado a canção "Cinema Mudo", dos Paralamas, que seria uma cópia daquela composição que ele havia mostrado ao "paralama". Tinha início, ali, uma história de 17 anos de guerra, interrompida apenas quando o rival se acidentou de ultraleve e ficou paraplégico.
Apesar desses ataques raivosos a desafetos, incluindo executivos de gravadoras multinacionais, 50 Anos a Mil é uma obra de qualidade, que proporciona ao leitor acesso à trajetória de um sujeito que não gosta de permanecer descansando.
À reportagem da Gazeta do Povo, ele contou que a sua rotina atual é "a de sempre: leio e toco. Toco e gravo. Gravo e escrevo." Questionado se acredita que muita gente o considera um permanente rebelde, Lobão respondeu o seguinte: "Não dou a mínima para o que as pessoas acham ou não de mim." Obviamente que ele liga, sim, para o que os outros pensam a seu respeito. Caso contrário, não teria escrito esse livro, que é a sua versão da pópria história.
Serviço:
50 Anos a Mil, de Lobão. Nova Fronteira, 596 págs., R$ 59,90.








